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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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NAVIO GIL EANNES – CONSTRUÍDO E PLANEADO EM PORTUGAL POR TÉCNICOS PORTUGUESES – CONSTITUIU UMA REALIZAÇÃO ÚNICA NO MUNDO – COMANDANTE HENRIQUE TENREIRO NA ASSEMBLEIA NACIONAL EM 1956

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O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: depois da brilhante, clara e precisa lição do nosso prezado e ilustre leader, Prof. Mário de Figueiredo, confesso que não sei como hei-de intervir neste debate com algumas simples considerações.

Como todos aqueles que de há vinte anos para cá labutam para que a doutrina corporativa não seja apenas flor do espírito, mas fórmula política de eficiência prática, não foi em emoção que ouvi anunciar ao País o próxima criarão das corporações.

De modo especial, e na medida em que me cabe responsabilidade na coordenação e desenvolvimento de quanto importa à pesca em Portugal, senti que os nossos esforços não tinham sido vãos e que o trabalho desenvolvido ao longo desse espaço de tempo não havia resultado inútil.

Nas pescas tudo parece felizmente preparado para agora receber a cúpula do sistema. Trata-se, porém, indispensável aproveitar as lições de tão longa experiência, com elas iluminando os caminhos que teremos ainda de percorrer para complemento e aperfeiçoamento das realizações resultantes da aplicação da doutrina corporativa, única capaz de estabelecer harmónico equilíbrio, não apenas nos diversos sectores do ciclo económico, mas ainda entre as classes sociais que no seu âmbito se movimentam.

Desejo, no entanto, antes de prosseguir, apresentar ao Sr. Ministro das Corporações os meus cumprimentos e as minhas melhoras felicitações pelo facto de aqui nos encontrarmos hoje reunidos no intuito de apreciar tão momentoso assunto e prestar justiça aos seus dotes de inteligência e trabalho.

No sector das pescas, como certamente noutros, há uma experiência a referir e alguns aspectos a focar para, completo esclarecimento desta Assembleia, chamada agora a analisar a importante proposta do Governo acerca das corporações.

Todos lemos com o maior interesse e, sem dúvida, com louvor, pelo esforçado trabalho que representa, o douto parecer da Câmara Corporativa, onde o seu ilustre relator arquiva, a expressão de um vasto saber. Creio, porém, que depois dessa leitura não será inútil registar alguns aspectos práticos de problemas que naturalmente, não se limitam à fase - embora muito importante - da especulação intelectual.

Esse o contributo que procurarei trazer para assimilar o caminho percorrido no sector que especialmente conheço, apontando os obstáculos e dificuldades, vencidos e a vencer. É que nada é feito de um jacto e, ainda que comece surgindo quem aparente desistir do estudo do passado como forma de compreender o presente e até de antever o futuro, continuo a considerar fundamental essa análise, se não nos quisermos desprender completamente das realidades que nos cercam.

or mim, penso que a circunstância de alguns desconhecerem pontas fundamentais do que se realizou é apenas motivo para que se lhes exponha o que afirmam desconhecer. Todos aprenderemos com isso, pois até os que dos factos passados foram testemunhas interessadas ou neles directamente intervieram têm tendência para esquecer, confundindo por vezes o que era, tão claros e simples.

Temos de manter bem presente no espírito que Portugal é um país marítimo, que é essa a característica que o individualiza, traduz e define o seu génio.

Há que prosseguir com tenacidade e entusiasmo aios esforços tendentes a reatar as velhas tradições, adaptando-as aos tempos de hoje, com inteligência e claro conhecimento das realidades.

Com o seu território espalhado por quatro continentes impunha-se que Portugal tivesse a marinha mercante que servisse as suas prementes necessidades, assegurando o indispensável intercâmbio entre a metrópole e o ultramar - e o que foi feito neste particular honra o País, não podendo deixar de a todos desvanecer.

Outro aspecto do nosso passado marinheiro - o das pescas-merecia, por todas as razões, se lhe dedicasse atenção e carinho. A ele se dirigem, especialmente, as minhas considerações de hoje.

Antes da organização corporativa a situação da indústria da pesca, tanto sob o aspecto industrial como social, era mais do que aflitiva.

Com efeito, de quanto podia ter sido realizado dentro do regime liberal e de desregrada concorrência, nada se fez e nada subsiste. Se nem sequer o progresso e bem-estar individual das empresas se conseguira, muito menos foi possível chegar-se à homogeneidade social e à aglutinação de interesses que mais tarde havia de surgir no inundo das pescas, uma vez que todos tinham as suas vidas ligadas ao mar - como já sucedera em tempo idos -, permitindo que se escrevessem as páginas gloriosas da nossa história marítima, que é em parte também a história das pescas.

A frota pesqueira nacional reduzia-se nessa época a um amontoado de navios velhos e antieconómicos e a produção não atingia, em qualidade e em quantidade, o considerado indispensável para o consumo público.

O panorama social era igualmente desolador. Os próprios «Compromisso Marítimos», que vinham de longa data, encontravam-se arruinados e as classes interessadas não manifestavam por eles qualquer dedicação.

Associações de socorros mútuos, figurinos da assistência da época, ou outras semelhantes instituições de auxílio aos pescadores, muito poucas existiam, e essas mesmas não exercendo a sua função, por falta de meios e de competência administrativa. As que ainda só mantinham à data da criação do corporativismo estavam votadas ao desinteresse dos marítimos. Quem de facto as dirigia eram elementos estranhos à classe, por vezes pequenos comerciantes locais, que delas se utilizavam para fins bem diferentes dos estatuídos, isto é, procurando a realização de interesses próprios ou satisfação de vaidades de mando.

É certo que existiam leis de protecção à pesca, que havia isenções de impostos para algumas das suas actividades e disposições legais facultando financiamentos aos armadores.

A legislação permitia, pois, realizações, mas estas não se efectuavam, porque faltavam fundamentalmente a doutrina e a estruturação do regime que permitissem planeá-las e executá-las.

A criação dos Grémios dos Armadores das Pescas do Bacalhau, Sardinha, Arrasto e Baleia - o primeiro ser- vindo como experiência e modelo para os restantes - e da Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau, organismo destinado a regular a« importações e a fixar preços e a qualidade dos produtos, veio, com a Junta Central das Casas dos Pescadores, estabelecer as condições necessárias para dar vida e desenvolvimento à obra realizada.

Sr. Presidente: poderia trazer aqui muitos números, a maior parte dos quais já algumas vezes referidos (tais como as centenas de milhares de contos gastos nas novas frotas, os índices de produção e as melhorias verificadas em todas estas actividades), mas seria fatigar a Câmara, porque dados que se reportam a vinte anos de progresso e desenvolvimento não se podem concretizar em poucas palavras.

Limitar-me-ei a dizer que na pesca do bacalhau passou para o dobro o número de homens que nela trabalham; a actual produção é oito vezes superior à de 1936 (800 por cento) e ocupamos o quarto lugar nesta pesca, tendo ultrapassado a França.

Na pesca do arrasto e em mais curto prazo, porque a sua organização data de 1940, a produção aumentou 120 por cento, prosseguindo a evolução da sua frota, em quantidade e qualidade.

Hoje, o valor total da pesca desembarcado ultrapassa anualmente 1 200 000 contos. A exportação de conservas, segunda em valor na nossa balança comercial, excedeu, em 1955, 930 000 contos.

As pescas asseguram ainda trabalho directo no mar e em terra a mais de 100 000 pessoas e nas indústrias subsidiárias, principalmente na de construção naval, mais alguns milhares de operários encontram ocupação.

Foi sobretudo a renovação das frotas pesqueiras que permitiu o ressurgimento da indústria de construção naval - o que se tem verificado em tais proporções que somos levados a admitir que, no futuro, a quase total substituição dos navios da nossa marinha mercante possa também ser feita sem necessidade de recorrer ao estrangeiro.

No regime alimentar das nossas populações o peixe entra em mais de metade em relação aos alimentos de origem animal; e as nossas capitações de consumo de pescado, incluindo o bacalhau, são das mais elevadas da Europa, logo a seguir à Islândia e à Noruega, e mais de seis vezes superior às que se verificam em França.

Os capitais investidos nas nossas indústrias, em navios e instalações em terra, ultrapassam os 2 milhões de contos.

No aspecto social, além dos sindicatos para os profissionais especializados, criaram-se também os organismos primários dos pescadores, as Casas dos Pescadores, coordenadas pela sua Junta Central, cabendo aqui explicar a constituição e o funcionamento destas duas instituições.

Como já se disse, as classes piscatórias tinham-se desinteressado dos organismos ao tempo existentes.

Era difícil, para não dizer impossível, recrutar entre os rudes homens do mar os elementos necessários à formação dos quadros de dirigentes, indispensáveis ao desenvolvimento das suas instituições, até porque os seus melhores e mais activos elementos estavam a maior parte do tempo embarcados, e não em terra. A observação do panorama existente e dos resultados nulos das tentativas feitas não nos deixava quaisquer dúvidas a esse respeito.

Sempre com o apoio diligente e dedicado da Marinha, recorreu-se aos capitães dos portos, únicas entidades a quem os pescadores tradicionalmente reconheciam autoridade profissional, considerando-os e respeitando-os como bons conselheiros, aptos, portanto, para presidirem às suas Casas dos Pescadores. Colaborando com os pescadores e orientando-os, foram aqueles oficiais o apoio natural da nova orgânica.

Como é óbvio, a Junta Central teve de constituir-se em moldes análogos, pois era impraticável entregar nas mãos dos pescadores a coordenação dos organismos primários, uma vez que nem para a direcção destes se tornara possível conseguir, dentro da classe, elementos devidamente habilitados. No entanto, na constituição da Junta Central entram hoje representantes directos dos armadores e dos pescadores.

Julga-se que tal sistema terá de ser ainda mantido, pois não é possível entregar imediatamente às próprias classes o destino e a administração integral dos seus organismos.

E a verdade é que a obra realizada nestes moldes, evidente aos nossos olhos, o era também para os homens do mar, os quais compreenderam que o sistema seguido lhes assegurava a assistência real e efectiva que por si próprios eram incapazes de conseguir, obra essa igualmente apreciada e até louvada no estrangeiro.

Com efeito, não posso esquecer as palavras do Ministro das Pescarias do Canadá, quando da primeira viagem de Gil Eanes a St. John's, afirmando que aquele navio-apoio e a nossa frota da pesca eram exemplo a admirar e a seguir pelos armadores e industriais daquele país; e que os Portugueses, que tinham iniciado há séculos a pesca do bacalhau, voltavam agora a esses mares com uma técnica e uma organização social em que novamente os habitantes dessas regiões muito tinham que aprender.

Na verdade, o Gil Eannes construído e planeado em Portugal por técnicos portugueses, constitui uma realização única no mundo, desde a sua concepção até à assistência religiosa, moral e material que presta aos pescadores nesses mares longínquos.

Julgo poder-se afirmar que, sob muitos aspectos, se conseguiu criar e - estruturar uma organização em que se estabeleceu perfeito entendimento entre o capital e o trabalho, não se descurando o aumento da produção nem a melhoria substancial da produtividade.

E, no entanto, verifica-se ter sido possível realizar todo este trabalho evolutivo com os mesmos homens e mantendo activas a grande maioria das empresas armadoras existentes à data da renovação.

Pode então perguntar-se:

Como é que esses homens, que viviam num espírito desenfreado de concorrência, aos quais faltavam a iniciativa e os capitais, que se desinteressavam do aspecto social e da melhoria do nível de vida dos seus trabalhadores, puderam ser lançados nesta nova senda de progresso?

Foi porque o génio de Salazar, dando ao País ideais vovôs e governos firmes, criou com esses elementos um ambiente propício a tais realizações;

Foi porque a organização corporativa, ou neocorporativa, se assim se lhe quiser chamar, inspirada nos princípios e na doutrina do Sr. Presidente do Conselho, conseguiu insuflar nesses homens a confiança no sistema que lhes era proposto.

Deste modo, no âmbito da orgânica das pescas, e sem prejuízo para a defesa do seu progresso e legítima prosperidade, nunca se esqueceu o superior interesse da Nação.

Desde a criação dos organismos corporativos da pesca, foi este princípio basilar mantido vivo, mercê duma permanente acção doutrinária, que tornou possível o recurso eventual à arbitragem do Estado quando ela se impunha para manter o equilíbrio de interesses correlacionados com a actividade piscatória, tais como os respeitantes a reivindicações sociais ou à defesa do consumidor. E nunca, nestes casos, a independência nas de- cisões sofreu abalo, porquanto foram sempre disciplinadamente acatadas pelos interessados, que reconheciam que essas intervenções eram feitas para resolver, pela mais justa forma, os problemas em causa.

E nesta linha de conduta e apesar da oposição de interesses, sempre de admitir entre patrões e empregados, foram aqueles os que mais contribuíram para a melhoria do nível de vida destes, quer directamente, com maiores vencimentos e percentagens sobre os produtos da pesca, quer indirectamente, suportando o maior peso dos encargos assistenciais.

Conseguira-se, pois, levar os armadores a compreender que para as suas indústrias prosperarem era necessária a paz social, só possível de conseguir mediante condições satisfatórias para os seus trabalhadores, isto é, dentro da justiça e da ética de um regime e de uma orgânica que também considerasse os valores morais e espirituais do elemento humano.

Esta evolução na forma de pensar e de actuar de armadores e pescadores, consequência da nova formação doutrinal, permitiu a elaboração e o êxito dos contratos e convenções de trabalho, generalizados a todas as pescas industrializadas e que progressivamente serão estabelecidos para as pescas locais.

Os grémios e as Casas dos Pescadores, à medida que se criavam, iam-se apoiando e auxiliando mutuamente, e porque na sua constituição e no seu funcionamento não obedeciam às características de meras associações patronais ou sindicais, que tivessem em mira a defesa exclusiva de interesses de classes, compreendiam que sem a colaboração ide todos e o apoio do Estado nenhuma obra sólida podia ser realizada.

Este novo espírito de humanidade e de compreensão tem sido desenvolvido; precisa e vai agora ser ampliado. Nesta ordem de ideias, vêm-se realizando reuniões periódicas com armadores, capitães e tripulantes, para lhes expor o que é a organização corporativa e definir os problemas técnicos, económicos e sociais que a todos dizem respeito.

Na mesma linha de conduta, criaram-se escolas de pesca, para, não só facultar a indispensável preparação técnica aos pescadores, mas incutir-lhes os bons e necessários princípios corporativos, para que esses rapazes, quando chegados a adultos, compreendam o que devem à organização, como proceder e o que através dela puderam já conseguir.

O que tenho dito não significa de forma alguma que todos os problemas referentes às pescas tenham tido solução.

Continua-se a lutar com grandes e sérias dificuldades, entre as quais avulta o número extremamente elevado dos nossos inscritos marítimos. Em vinte anos subiu de 20 000 para 60 000 o número de pescadores, metade dos quais se dedica à pesca local, número este extremamente elevado, pois verificamos, por exemplo, que em Inglaterra, com uma população de cerca de 50 milhões, há apenas 30 000 pescadores.

Tal desproporção e contínua afluência de braços para a pesca provoca a reduzida distribuição do pescado per capita e consequente baixa das condições económicas do pescador individual, do seu nível de vida e das garantias de trabalho assegurado e remunerador. Tem-se procurado remediar tal estado de coisas por várias medidas e sobretudo pelo mais perfeito apetrechamento dos meios de captura de que esses homens dispõem. Para o efeito, têm-se concedido empréstimos sem juros, que lhes permitem a aquisição de melhores embarcações ou a motorização das que possuem.

Mas tal acção não consegue obstar ao excedente demográfico da gente do mar, cujos saldos terão de ser colocados especialmente em Angola, onde as pescas têm tido grande expansão, o que trará vantagens indiscutíveis não só para os directamente interessados, mas ainda de projecção nacional, pela fixação além-mar de população metropolitana.

Neste conjunto de organismos corporativos não se esqueceram os problemas que respeitam aos estudos científicos.

As organizações criaram o Gabinete de Estudos das Pescas para a investigação científica e tecnológica e para a preparação dos técnicos, cuidando também da nossa representação nos organismos internacionais, de que é exemplo a Comissão Internacional das Pescarias do Noroeste do Atlântico, onde obtivemos honrosamente a presidência de tão importante organização.

Para a continuidade destes trabalhos precisa-se de meios que permitam a sua expansão e de dar início à construção de um navio oceanográfico e de prospecção ictiológica.

Espera-se que esses meios sejam agora concedidos à Corporação, para que ela possa desenvolver uma obra hoje indispensável a qualquer nação marítima e a que nos obriga o lugar de país evoluído que ocupamos no conceito mundial das pescas.

Considerando que a Corporação deverá ter em vista principalmente a justiça social, o aumento da produção e melhoria da produtividade e a cooperação entre todos os elementos que a constituem, creio que o que se tem procurado levar a cabo, com tão boa vontade e desejo de acertar, já em grande parte satisfaz as finalidades requeridas para servirem de base à estrutura da futura Corporação.

Que não estamos em erro prova-o a proposta governamental ao delinear agora o plano geral da estruturação corporativa, porquanto as pescas aparecem ali, aliadas à conserva de peixe, como uma das cinco primeiras corporações a serem criadas.

Por se tratar de um ramo fundamental de produção, com características próprias inconfundíveis, pelo valor que representa na balança económica do País, e também pelo equilíbrio social alcançado, surgem as pescas devidamente destacadas do ramo geral da indústria, atendendo-se, assim, não só àqueles elementos, mas ainda ao grau de preparação corporativa que atingiram.

Se, como bem diz o parecer da Câmara Corporativa, ca bondade do sistema é válida no espaço e no tempo, podendo afeiçoar-se às economias avançadas ou subdesenvolvidas», permito-me daqui formular o voto de que na nova Corporação das Pescas e Conservas participem, desde logo, as pescas ultramarinas.

Existe, na verdade, uma íntima ligação entre essas actividades e as continentais, quer através dos quadros que as constituem, em que os especializados têm a mesma origem metropolitana, quer quanto aos produtos similares a exportar para o estrangeiro.

Aliás, nos já frequentes congressos de pesca realizados, a colaboração, como a interdependência dos problemas piscatórios entre a metrópole e o ultramar, nomeadamente com Angola, ficou bem vincada através de numerosos trabalhos apresentados, culminando no último por um voto expresso pelo Sr. Ministro da Marinha, ao qual foram dados foros de moção final, aprovada por aclamação, que propôs se realizasse o futuro e V Congresso Nacional das Pescas na cidade de Luanda.

Nesses congressos abriram-se as portas o todas as competências e às boas vontades de quantos se interessavam pelas pescas, ali se discutindo livremente os seus problemas metropolitanos e ultramarinos.

Na Corporação da Pesca está, e muito bem, incluído outro importante ramo de actividade dela subsidiária: o das conservas de peixe.

Com efeito, grande percentagem da produção da sardinha é absorvida pela indústria conserveira e a acção desenvolvida neste sector pelo Instituto Português de Conservas de Peixe e pelos grémios de industriais e exportadores constitui elemento valioso a integrar na Corporação, dada sobretudo a grande eficiência atingida por aqueles organismos na solução de problemas de importância vital.

A necessidade de uma mais estreita e íntima coordenação dos interesses e colaboração entre armadores, fabricantes e comerciantes das conservas de peixe só benefícios pode trazer, e pão emes os que re esperam da nova orgânica que os vai englobar.

Com efeito, para que a indústria das conservas possa prosperar e desenvolver-se precisa de ter asseguradas as quantidades indispensáveis de sardinha e a preços

que lhe permitam exportar os produtos manufactura-os por valores compatíveis com as cotações internacionais. E se a pesca não pode esquecer que tem na indústria conserveira natural escoante, que muito especialmente em épocas de superprodução lhe valorizará o pescado, também, por seu turno, esta não deverá deixar de atender ao esforço do armador e do pescador, sujeito aos riscos e às vicissitudes do mar, onde tantas vezes perde os bens e a vida. É, pois, a própria natureza das coisas que aconselha e impõe o bom entendimento e cooperação.

Sr. Presidente: numa discussão tão importante como a que se está realizando nesta Assembleia, preferi, ao largo exame de princípios, trazer um apontamento prático daquilo que a minha experiência já longa e todos os dias vivida me aconselha a dizer.

O meu depoimento é, pois, fundamentalmente realista e baseado na actividade das pescas e também de alguns conhecimentos da indústria das conservas.

Nesta ordem de ideias, não quero deixar de me referir às boas e úteis relações que sempre se têm mantido entre os grémios e organismos de coordenarão económica já referidos, cuja actuação na defesa dos produtores e consumidores tem sido profícua e contínua. Isto me permite alvitrar que se pondere a valia da posição arbitral e da influência que estes organismos de coordenação económica terão de ter, para que se não arrisque na defesa de uma teoria, embora de grande pureza, o que na prática tão bons frutos tem produzido.

Depois do que tem sido realizado e foi exposto como panorama geral das nossas pescas, surge o desejo e a natural ambição de irmos mais além e de permanentemente melhorar a obra iniciada. Só assim ela poderá acompanhar a evolução que agora se lhe quer imprimir, com a nova orgânica das corporações.

Em minha opinião, entendo que a futura Corporação das Pescas e das Conservas irá criar uma mais íntima e fecunda colaboração entre a indústria produtora e a transformadora; entre a capital e o trabalho; entre os grémios e os organismos de coordenação económica, e um espírito de liberdade só condicionado pela ideia do bem comum.

Desde que se não dupliquem funções, nem se multipliquem organismos que desse modo venham entravar o balanço adquirido e criar novos problemas, capazes de provocar o desânimo e de prejudicar até o desenvolvimento actual, tenho a certeza de que a Corporação das Pescas e das Conservas será um grande passo em frente, com o maior alcance para todos os interesses em causa. É disso garantia o ambiente que existe no seio de todos os organismos das pescas, que desde há muito trabalham em regime do corporação, como se ela já existisse.

Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre as corporações.

É a corporação - escreveu um dia o Prof. Marcelo Caetano - que logrará legitimamente obter uma parcela do poder público para organizar, regulamentar, disciplinar as actividades que reúne e congloba, punindo os seus desmandos, arbitrando as suas pendências, gerindo o seu património comum, representando-as na vida política e fazendo-as valer na legislação e na administração do Estado.

E o ilustre mestre acrescentou:

A associação profissional e a corporação são o reduto em que o homem defende a sua personalidade e no mesmo tempo encontra o um puro necessário para multiplicar as suas forças na luta da vida moderna.

Na beleza e grandeza deste princípio doutrinário se depositam as nossas esperanças, na certeza de que o conjunto das corporações não constitui um outro Estado ou uma delas uma parte desse Estado. São poderosos elementos representativos, cuja voz se fará ouvir no que será o natural ponto de intersecção com o Estado», mas será este que terá de escutar todas as vozes e, superiormente, tomar uma decisão quando os interesses colidam e os diversos representantes entre si se não possam entender.

Ainda temos entre nós muitas manifestações do perigoso individualismo, mus estou crente, pelo que já foi possível realizar, que tudo acabará por se movimentar dentro do espírito corporativo, para que a política da Revolução Nacional saia mais uma vez vitoriosa.

E não ficaria de bem com a minha consciência se, por simples dever de gratidão, deixasse de igualmente felicitar o Sr. Ministro da Marinha por ver chegado a tão alto ponto de realizações unia actividade, a das pescas, à qual S. Ex.ª vem dedicando, com indiscutível competência, uma contínua e tão profícua atenção.

Por mim, dou o meu aplauso na generalidade ao projecto do Governo, a quem saúdo e louvo por ter, na senda do corporativismo, «retomado o antigo facho e prosseguido no caminho».

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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DEPUTADO RAÚL REGO EVOCOU CARDEAL SARAIVA NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA EM 23 DE FEVEREIRO DE 1989

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O Sr. Raúl Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, há dias perguntei ao Governo se era exacto o que consta: ter o presidente do Instituto do Património Cultural distribuído, por alguns funcionários, incluindo o tesoureiro do mesmo, gratificações de Natal à parte dos ordenados a que têm direito.

Não obtive resposta, o que é mau sinal; mas, o que é patente é que o património continua a ser defraudado por esse país além e a alimentar as casas dos antiquários e a fugir muito dele para o estrangeiro enquanto mesmo em Lisboa os leilões de antiguidades, desde os livros, onde muitas vezes se rasuraram carimbos, às tábuas quinhentistas e seiscentistas e aos quadros dos grandes mestres atingem preços astronómicos. Mas o Museu Nacional de Arte Contemporânea está fechado há meses e meses e não dá mostras de querer abrir as suas portas tão depressa. Pelo menos, outra pergunta minha a tal respeito, ficou também sem resposta.

A despeito da propaganda realizada todos os dias em conferências de imprensa e sessões solenes, nós vemos as obras de reparação e restauração do antigo mosteiro de Tibães avançarem a passo de lesma. Repara-se uma sala, a cozinha, enquanto alas inteiras aluem e vêm a terra; e a quinta em torno vê os bruxos deteriorarem-se, as áleas tornarem-se intransitáveis. Claustros e tectos, celas e fontenários vão-se convertendo num acervo que é como que o esquecimento atirado para cima daquela grande dinastia de escultores ali formados. É claro que a grande maioria das suas obras já se encontram dispersas por esse país além e muitas outras fazem vista em colecções estrangeiras ou até em conjuntos de arte que não os nossos.

Não longe de Tibães vai criando mofo e abrindo brechas o conjunto da Falperra, incluindo a preciosa capela de Santa Maria das Cortiças.

A Assembleia da República não pode esquecer que um dos grandes do liberalismo português exilado e com residência fixa no tempo do miguelismo trabalhou naquela casa, foi presidente das Cortes e director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e se chamou o Cardeal Saraiva, nado na Ribeira Lima e de mentalidade liberal formada na escola dos Beneditinos de Tibães.

Da responsabilidade da Câmara Municipal de Braga, Tibães, passou para o património cultural. E continuou a cair! Não ganhou nada com isso. O exemplo da vizinha Espanha, desde há muitos anos, aproveitando monumentos para os enquadrar na vida de hoje, sem os destruir, como aquele Hostal de los Reys, em Santiago de Compostela, não tem sido seguido por nós. A incúria tudo envolve, podendo-se dizer que na razão inversa dos grandes discursos, das sessões solenes das recepções oficiais.

Acordámos para os centenários das descobertas depois de os nossos vizinhos de Espanha anunciarem a grande exposição de Sevilha, embora as nossas descobertas tenham precedido de mais de século e meio a chegada de Colombo à América.

Faz a sua diferença o tratamento, os cuidados que merecem os monumentos na nossa vizinha Espanha e o abandono, quase o desprezo com que vemos conjuntos como o do grande mosteiro de Tibães e a sua quinta dos frades bentos para ali a caírem aos bocados, as ervas daninhas a crescerem por toda a parte e as paredes aqui e além remendadas com cimento.

Mas Tibães é apenas um exemplo porque, se passarmos do Minho para a Beira, encontramos Salzedas também no mesmo estado; no Alentejo, a Flor da Rosa com não melhor sorte a despeito de nela se encontrar o túmulo do seu fundador e pai do Condestável D. Nuno Álvares Pereira.

Não sabemos que se oriente a cultura de um povo para a construção de grandes e enormes conjuntos como aquele que se fala para Belém e se vá botando ao abandono outros monumentos que deveriam ser o nosso orgulho e testemunham a dignidade do nosso passado. As novas construções serão ditadas por que imperativo? Nunca a cultura se pode assentar na destruição, muito menos no abandono do património dum povo. Essa mesma cultura deveria ser a primeira preocupação de quem orienta o Património Cultural Português. E temos de dizer que não tem sido.

Aplausos do PS

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BERNARDINO MACHADO EVOCOU CARDEAL SARAIVA NA SESSÃO DE 13 DE JUNHO DE 1912 DO SENADO DA REPÚBLICA

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O Sr. Benardino Machado: — Um Sr. Senador preguntou ontem se não estavam suprimidas as legações de Viena de Áustria e Berlim. A legação de Viena de Áustria está preenchida. 9 o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmou-me que em breve seria preenchida a de Berlim.

Preguntou-se também, em outro lugar, que cão no Senado, se continuava deserta a legação do Brasil.

Sr. Presidente, não fui imediatamente tomar conta da legação do Rio de Janeiro, porque entendi depois que não devia sair, e que estando aqui cumpria o meu dever patriótico.

Permita-me agora o Senado que, antes de mais nada, procure esclarecer as bases deste debate, tanto mais que ontem se pronunciaram nesta Câmara algumas palavras que podem lançar a confusão no espírito público.

A Kepública não é inimiga "do clero; a República é inimiga do clericalismo, do clericalismo, que foi, durante toda a história da nacicnalidade portuguesa, o maior e pior inimigo de Portugal.

A República ó inimiga do clericalismo que, se não fôsae proclamada a República, teria talvez comprometido a independência da pátria.

A República não é inimiga do clero português, e não se pode dizer que o padre não é patriota, porqae isso seria esquecer o bispo de Viseu, que protestou coníra o dogma da infalibilidade papal, e o cardeal Saraiva, que presidiu às Constituintes de 1820.

Há muitos membros do clero que são profundamente patriotas.

A República Portuguesa não ó atéa, nem católica, nem protestante, está acima de todas as religiões. A República Portuguesa só tem uma religião — a religião da Fraternidade.

Disse-se aqui que da Lei da Separação é consequência a suspensão da legação junto do Vaticano.

Já disse que o Brasil, que tem a igreja separada do Estado, mantêm uma legação junto do Vaticano, e já disse também que nações, que não possuem a religião católica, como a Alemanha e a Rússia, mantêm legação em Roma junto do Vaticano.

A lei portuguesa da Separação é uma lei de independência do Estado, e a manutenção duma legação em Roma não tem o resultado de fazer católicos todos os portugueses, como as legações portuguesas em França e na Inglaterra não dão em resultado que sejamos franceses ou ingleses. Para que a igreja não saia da esfera do seu poder espiritual, é preciso toda, a vigilância e é a legação quem a exerce.

Demais, a Lei da Separação ainda não veio ao Parlamento, e já se quere votar mna das suas consequências ! ... E necessário que se estude a questão das missões e do padroado no Oriente, e se verifique se a legação junto do Vaticano tom ou não importância para a resolução destes assuntos.

^Póde o Senado, cujas funções são moderadoras, com as responsabilidades da agravação deste projecto?

Emquarito não se elucidarem estas questões, não dou o meu voto ao projecto.

O orador não reviu.

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