Lupercalia era uma festa pastoral da Roma Antiga celebrada anualmente no dia 15 de fevereiro para purificar a cidade, promovendo a saúde e a fertilidade. Lupercalia também era conhecida como dies Februatus, em homenagem aos instrumentos de purificação chamados februa, a base para o mês chamado Februarius - Fevereiro.
O festival era originalmente conhecido como Februa ("Purificações" ou "Purificações") após o februum que foi usado no dia. Também era conhecido como Februatus e deu seu nome de várias maneiras, como epíteto de Februalis, Februlis ou Februata em seu papel como divindade padroeira daquele mês; a uma suposta divindade purificadora chamada Februus; e até fevereiro (mensis Februarius), o mês em que ocorreu o festival. Ovídio conecta februare a uma palavra etrusca para "purgar". Algumas fontes conecte a palavra latina para febre (febris) com a mesma ideia de purificação ou purgação, devido ao "suor" comumente associado às febres.
Os ritos se restringiam à caverna de Lupercal, ao Monte Palatino e ao Fórum, todos locais centrais no mito de fundação de Roma. Perto da caverna ficava um santuário de Rumina, deusa da amamentação; e a figueira selvagem (Ficus Ruminalis) para a qual Rômulo e Remo foram trazidos pela intervenção divina do deus-rio Tiberino ; algumas fontes romanas chama figueira selvagem caprificus, literalmente "figo-cabra". Assim como a figo cultivada, seu fruto é pendular, e a árvore exala uma seiva leitosa se cortada, o que a torna uma boa candidata ao culto da amamentação.
O festival Februa era de origem antiga e possivelmente sabina. Depois que fevereiro foi adicionado ao calendário romano, Februa ocorreu em seu décimo quinto dia. De seus vários rituais, o mais importante passou a ser o da Lupercalia. Os próprios romanos atribuíram a instigação da Lupercalia a Evander , um herói cultural da Arcádia que foi creditado por trazer o panteão olímpico, as leis gregas e o alfabeto para a Itália, onde fundou a cidade de Pallantium no futuro local de Roma, 60 anos antes da Guerra de Tróia.
A Lupercalia era celebrada em partes da Itália e da Gália; Luperci são atestados por inscrições em Velitrae, Praeneste, Nemausus (Nimes, atualmente), e em outros lugares. O antigo culto dos Hirpi Sorani ("lobos de Soranus", de Sabine hirpus "lobo"), que praticava no Monte Soracte , 45 km ao norte de Roma, tinha elementos em comum com a Lupercalia romana.
O nome Lupercalia era considerado na antiguidade para evidenciar alguma conexão com o festival grego antigo da Lykaia arcadiana, um festival do lobo (em grego: λύκος, lýkos; em latim: lupus), e a adoração de Lycaen Pan, considerado um equivalente grego de Fauno, conforme instituído por Evandro. Justino descreve uma imagem de culto do "deus licau, a quem os gregos chamam de Pã e os romanos de Lupercus", nu, exceto por um cinto de pele de cabra. A estátua ficava no Lupercal, a caverna onde a tradição afirma que Rômulo e Remo foram amamentados pela loba (Lupa). A caverna ficava no sopé do Monte Palatino, onde Rômulo teria fundado Roma. O nome do festival provavelmente deriva de lúpus, "lobo", embora a etimologia e seu significado sejam obscuros. Apesar da afirmação de Justin, nenhuma divindade chamada "Lupercus" foi identificada.
As descrições do festival Lupercalia de 44 a.C atestam sua continuidade; Júlio César usou-o como pano de fundo para sua recusa pública de uma coroa de ouro oferecida a ele por Marco Antônio. A caverna Lupercal foi restaurada ou reconstruída por Augusto , e especula-se que seja idêntica a uma caverna descoberta em 2007, 15 metros abaixo dos restos da residência de Augusto; de acordo com o consenso acadêmico, a gruta é um ninfeu , não o Lupercal. O festival Lupercalia é marcado em um calendário de 354 ao lado de festivais tradicionais e cristãos.
É de origem remota a tradição do Banho Santo que se celebra na Romaria de São Bartolomeu do Mar, no concelho de Esposende, que a cada ano atrai maior número de visitantes àquela localidade minhota plena de tradições.
A romaria de São Bartolomeu do Mar aparece documentada desde o século XVI, muito embora evidencie marcas de ancestralidade, devendo muito provavelmente ter tido a sua origem nalgum culto a uma divindade numa época anterior à cristianização dos povos peninsulares. De resto, a associação do cão à representação do diabo remete-nos para a figura do cão tricéfalo guardião do Hades que nos é descrita pela mitologia clássica.
Com efeito, tudo leva a crer que estas práticas têm a sua origem mais remota nos ancestrais cultos pagãos em louvor das ninfas e outras divindades pré-romanas das águas ou ainda em rituais dedicados à deusa grega Ártemis – Diana na mitologia romana – cujos templos situavam-se geralmente junto a cursos de água. Ou ainda a Alfeu – deus do rio e filho de Oceano na mitologia grega – e a Posídon – Neputno, deus do mar na mitologia romana.
A tradição do Banho Santo ligado a rituais de purificação que têm na água a sua função primordial, é porventura aquela que confere maior significado a estas festividades e muito provavelmente a que se encontra nas suas origens mais remotas. De resto, a água está associada aos ritos do baptismo e às peregrinações a Santiago de Compostela. Mantido ao longo dos tempos pela devoção popular, tais práticas foram sujeitas a perseguições desde o século IV à época do imperador Diocleciano até à Idade Média. Acabariam, porém, por serem aceites pelo Cristianismo.
À semelhança de outras festas cíclicas, os rituais do Banho Santo tendo por objecto a purificação e preservação da saúde de pessoas ou animais levados pelos pastores, predominam em regra no meio rural, junto ao mar, a rios ou outros cursos de água. Para além da tradição em São Bartolomeu do Mar, no concelho de Esposende, temos ainda entre nós o “Banho da Degola” em louvor de São João da Degola que se realiza em Vila Real de Santo António, em Lagos, na serra de Monchique e os banhos de ano novo em Carcavelos e noutras localidades.
Com o decorrer do tempo, é possível que tenham ocorrido influências de várias culturas relacionadas com a presença de comunidades religiosas distintas, originando mesmo um certo sincretismo. É o que se verifica nomeadamente com o ritual de exorcização com recurso à galinha preta que muito provavelmente terá sido originado de uma influência mais tardia, muito provavelmente de raiz judaica.
Quando em 1496, o rei D. Manuel ordenou a conversão dos judeus ao Cristianismo sob pena de expulsão, existia em Barcelos uma comunidade judaica, à semelhança aliás do que sucedia noutras localidades minhotas como Braga, Viana do Castelo e Ponte de Lima. Refira-se que, à altura, o território que atualmente faz parte do concelho de Esposende era parte do termo de Barcelos, apenas tendo sido elevado à categoria de município com a atribuição do foral pelo rei D. Sebastião em 19 de agosto de 1572. Terão então os judeus conversos ou seja, os cristãos-novos que habitavam a região, adaptado a sua prática religiosa às que eram geralmente mantidas pela Igreja Católica a fim de serem tolerados no seio das comunidades locais, atitude aliás comum à generalidade dos judeus que permaneceram no país.
O Yom Kippur constitui uma das festividades mais importantes e solenes do judaísmo, destinada ao arrependimento e ao pedido de perdão, correspondendo ao Ano Novo no calendário hebraico (Rosh Hashana) e coincidindo geralmente com os meses de setembro ou outubro do calendário cristão. Nos dias que antecedem o Yom Kippur, praticam os judeus um ritual de expiação dos pecados (Kaparot) que culmina na matança de milhares de galos e galinhas, preferencialmente de cor branca como símbolo de purificação. O ritual propriamente dito consiste em elevar o animal sobre as suas próprias cabeças, dando com eles três voltas enquanto murmuram :“Esta é minha mudança, este é meu substituto, esta é minha expiação”, sendo de seguida degolado com recurso a faca de lâmina rigorosamente afiada, cumprindo-se desta forma o sacrifício.
Com efeito, para além das semelhanças existentes, a altura do ano em que os judeus praticam o Kaparot é praticamente coincidente com a realização da romaria de São Bartolomeu do Mar, da mesma forma que se constata terem os primeiros registos desta festividade surgido pouco tempo decorrido após o início da conversão forçada dos judeus ordenada pelo rei D. Manuel I, fatos que nos levam a acreditar na possível relação entre ambas as tradições.
Os romeiros levam os filhos transportando consigo ao colo uma galinha preta, dando três voltas em redor da capela antes de nela entrarem procederem á oferenda sacrificial, após o que colocam na cabeça a imagem de São Bartolomeu. Uma vez cumprido o ritual, encaminham-se para a praia onde terá lugar o “banho santo” das crianças nas águas gélidas e purificadoras do mar – aonde o diabo regressará ao anoitecer – que, com a ajuda do sargaceiro, é imersa por diversas vezes, contadas as ondas sempre em número ímpar.
Todos os anos, por ocasião da festa litúrgica a São Bartolomeu que se celebra a 24 de agosto, vão as gentes Esposende em romaria à igreja do santo padroeiro da freguesia de Mar – São Bartolomeu do Mar – para invocar a sua proteção contra o medo e outros males atribuídos ao diabo como a epilepsia e a gaguez. Reza a lenda que, nesse dia, São Bartolomeu solta o diabo que durante o resto do ano traz preso, simbolizado num cão que mantém com uma trela.
Fotos: Alfredo Cunha / Arquivo Municipal de Lisboa
Há 70 anos, uma romaria foi proibida em Ponte da Barca devido à "componente pagã" — mas agora está de volta
A capela de São Gregório, situada no limite geográfico das freguesias de Bravães e Lavradas, em Ponte da Barca, volta na quinta-feira a ser palco da romaria com o mesmo nome, proibida na década de 50, foi hoje divulgado.
Este evento "terá acabado no final da década de 50 [do século XX]. Foi quando mudámos de padre na freguesia. O padre que entrou era mais voltado para as questões da lógica e da ciência. Não era muito apologista das coisas mais pagãs e dos ritos que se materializavam nesta festa”, disse hoje à agência Lusa o diretor dos Gaiteiros de Bravães, Rafael Freitas.
A romaria, que a associação quer agora relançar, foi “proibida pela componente pagã e pelo conflito que gerava entre as freguesias vizinhas”. Desde então, as portas do templo foram “fechadas à chave” e a “degradação” tomou conta do imóvel, “referenciado nas memórias paroquiais do século XVIII”.
“Já nessa altura se aludia à necessidade de obras”, vincou Rafael Freitas.
Além de “retomar tradições perdidas”, o relançamento da festividade pretende alertar para a importância da recuperação daquele património “singular”.
“A estrema das duas freguesias é exatamente a meio da capela. A porta pertence à freguesia de Lavradas e o altar à freguesia de Bravães. O adro é muito pequenino. É uma coisa muito pitoresca”, adiantou o diretor do grupo Gaiteiros da Bravães.
A “prática, na hora da missa, de dar leite de mãe e filha aos bebés, para curar a gota ou outras maleitas”, está entre os rituais associados àquela romaria e que levaram o pároco da altura a pôr fim aos festejos.
“Tinham de arranjar uma mãe e filha que tivessem tido bebés e estivessem a amamentar, ou uma vaca e uma vitela, uma ovelha e a cria (…) Isso fazia-se à mesma hora da missa. Esta compatibilidade entre o pagão e o religioso não agradava ao padre que acabou por proibir a festa”, explicou.
A iniciativa de retomar a romaria, celebrada na quinta-feira da Ascensão [que celebra a subida de Jesus Cristo aos céus, 40 dias depois da ressurreição], surgiu no seio do grupo de Gaiteiros de Bravães, que, para além da componente musical, associada à gaita de foles, “está atento a manifestações culturais e tradições perdidos e ajudar à sua reativação”.
“As pessoas mais velhas ainda têm memórias das mães a porem os peitos à mostra para dar o leite. Ainda hoje, na quinta-feira da Ascensão, a minha mãe tem alguns rituais: come sempre um pão com uma moeda dentro, deixada no ano anterior, para que no ano seguinte não falte nem comida na mesa, nem dinheiro na carteira para enfrentar as adversidades que possam surgir”, explicou.
O “pão é embrulhado com uma moeda dentro e o que ninguém consegue explicar é como é que nunca ganha bolor”.
“Fica imaculado. Obviamente que fica duro, mas as pessoas desfazem-no em sopa de leite e comem na quinta-feira da Ascensão. A minha mãe e outras pessoas da comunidade fazem isto religiosamente”, frisou, referindo que se naquele dia chover é pronuncio de “um ano agrícola fértil e com abundância”.
O relançamento da festa começou a forma nas aulas de fabrico artesanal da gaita-de-foles de Bravães, para assinalar o fim do curso, na próxima quinta-feira.
Além de transmitir o ofício de construção do instrumento, desenvolvido há meio século naquela aldeia de Ponte da Barca, no distrito de Viana do Castelo, a formação ensina os alunos a tocar a gaita-de-foles típica de Bravães.
Os instrumentos construídos pelos alunos são réplicas de uma gaita produzida em 1950 por um construtor da freguesia, Emílio de Araújo.
O instrumento original integra o espólio do Museu de Etnologia de Lisboa e está documentado nas recolhas do etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira, entre anos de 60 e 63.
As réplicas construídas pelos formados vão ser benzidas na quinta-feira, a partir das 20:00, na capela de São Gregório. O programa de relançamento da festa inclui ainda um baile, animado pelas gaitas-de-foles e bombos, e um jogo de puxar à corda, envolvendo os habitantes de cada freguesia.
“Quem puxar mais vai ficar responsável por organizar a romaria de São Gregório no ano seguinte e por gerir a capela durante um ano. É uma forma de tentar chamar a atenção. Se o restauro não acontecer vai acabar por ruir”, lamentou.
A organização vai promover uma “espécie de quermesse”, com comes e bebes para angariar fundos que permitam salvaguardar aquele património que pertence à comissão fabriqueira.
“Temos a expectativa de ajudar a recuperar a igreja, mas não temos legitimidade legal para o fazer”, afirmou Rafael Freitas.
Desde sempre o Homem acreditou na possibilidade dos mortos intercederem na acção criadora dos deuses e no próprio ciclo da natureza, contribuindo inclusivamente para o renascimento dos vegetais e das culturas que os demónios e maus espíritos do inverno fizeram desaparecer. Esta crença está na origem de uma infinidade de práticas relacionadas com o culto dos mortos que regra geral se iniciam em Novembro e prolongam-se até à Serração-da-Velha, atravessando as cerimónias solsticiais ou “saturnais” e os festejos carnavalescos.
Naturalmente, os ritos variam consoante as celebrações em causa mas conservam entre si uma finalidade comum que é o de assegurar que o ciclo da vida e da morte não se interrompa, possibilitando por conseguinte que ao inverno suceda impreterivelmente a primavera. De acordo com as investigações feitas no domínio da arqueologia e da antropologia, acredita-se que as práticas do culto dos mortos tiveram o seu começo na fase de transição da pedra lascada para a pedra polida, sendo disso testemunho os inúmeros monumentos funerários como os dolméns ou antas, inscrições votivas e outros achados. O folclore trouxe até nós inúmeros vestígios desse modo de pensar e dos cultos praticados pelos nossos ancestrais, devendo por esse modo constituir uma importante fonte de estudo.
Pão por Deus! – pedem as crianças na região saloia, percorrendo as casas em alegre peditório. A ladaínha varia contudo de uma região para outra. Por exemplo, para os lados de Braga [Minho] é costume dizer-se do seguinte modo: “Bolinhos, bolinhós, / Para mim e para vós / E para quem está debaixo da cruz / Truz truz“. Na região de Ourém, o rapazio vai pelos casais e suplica: “Ti Maria: dai-me um bolinho em louvor de todos os santinhos!”. E, se a dona da casa é pessoa dada à brincadeira, ao assomar à soleira da porta responde prontamente: “Dou sim ! com uma tranca no focinho …“
Por esta ocasião, as pessoas cumprem o ritual da visita aos cemitérios e cuidam das sepulturas dos seus entes queridos. Mas, também em casa é costume em muitas localidades, após a ceia, deixar até ao dia seguinte a mesa composta de iguarias para que os defuntos possam banquetear-se. Em Barqueiros, no concelho de Mesão Frio [Trás-os-Montes e Alto Douro], na noite de Todos-os-Santos coloca-se uma mesa com castanhas para os familiares falecidos, as quais ninguém tocará porque ficam “babadas dos defuntos”. Da mesma forma que o azeite que alumia os defuntos jamais alumiará os vivos. Entre alguns povos do leste europeu conserva-se ainda a tradição de organizar o festim no próprio cemitério a fim de que todos em conjunto – mortos e vivos – possam confraternizar!
A partir desta época do ano, as noites das aldeias são povoadas por criaturas extraordinárias que surgem nas encruzilhadas e amedrontam os notívagos. Uivam os lobos nas penedias enquanto as bruxas se reúnem debaixo das pontes. A prudência aconselha que ao gado se prendam pequenas saquinhas de amuletos que o resguardem do “mau olhado”. O serão é passado à lareira ouvindo histórias que nos embalam num mundo de sonhos e fantasia que nos alimenta a imaginação. E, quando finalmente é chegada a hora de dormir, faz-se o sinal-da-cruz para que o demónio não nos apoquente e a manhã do dia seguinte volte a sorrir radiante a anunciar uma vida nova.
Haloween ou “noite das bruxas”
A celebração nos Estados Unidos da América do Haloween ou “noite das bruxas” mais não constitui do que uma transposição que foi feita do culto dos mortos que os colonos levaram da Europa e que agora nos procuram vender da mesma forma que nos impingem a coca-cola e a comida de plástico que dispensa os talheres que apenas servem a gente civilizada – é a globalização de acordo com o modo de vida americano e que rejeita as diferenças culturais entre os povos.
Mas, o que nos surpreende é que, possuindo o nosso povo riquíssimas e profundas tradições, entre as quais as que se relacionam com o culto dos mortos, ainda exista quem, com aparente formação académica, insista em transmitir nas escolas aos seus alunos costumes que na realidade não lhes pertencem. Trata-se de uma pedagogia de natureza duvidosa que contraria inclusive o princípio da ligação da Escola com o meio que a envolve.
A tradição dionisíaca do S. Martinho
Fazendo juz ao rifão “pelo S. Martinho, vai à adega e prova o vinho“, cumpre-se invariavelmente em Novembro o ritual dionisíaco do S. Martinho. É chegada a altura de inspeccionar os vinhos das últimas colheitas verificando se fermentaram como deviam. Mas é também tempo de magusto com castanhas assadas ou cozidas devidamente regadas com vinho novo, a água-pé e geropiga. Após as avés-marias, a taberna da aldeia adquire uma animação orgíaca muito peculiar que lhe é conferida pelo elevado número de fiéis que ali acorre enquanto o taberneiro, qual sacerdote dionisíaco que altivo se perfila por detrás da ara do balcão como se de um altar se tratasse, serve uma após outra sucessivas rodadas de verdasco numa inebriante comunhão eucarística. A taberna é nos nossos dias como que um templo dedicado a Baco onde o culto é praticado livremente pelos seus iniciados, embora expurgado dos excessos com que tais festins ocorriam ao tempo da Roma antiga.
Como não podia deixar de acontecer, S. Martinho é bastante celebrado no nosso país, particularmente em localidades onde a tradição vinícola mais se faz sentir, algumas das quais lhe consagram inclusivamente feriado municipal. Alijó, Penafiel, Pombal, Torres Vedras e Golegã são disso alguns exemplos. É ainda à famosa lenda segundo a qual, S. Martinho de Tours vendo em pleno Inverno um pobre completamente despido tiritando de frio o agasalhou com metade da sua capa que cortou com a própria espada, que se atribui a origem do chamado “Verão de São Martinho” que geralmente ocorre nesta altura do ano.
Uma vez provados os vinhos e realizados os tradicionais magustos, é também tempo colher a azeitona e levá-la ao lagar, de iniciar a sementeira do trigo e do centeio, plantar cerejeiras e amendoeiras, damasqueiros e videiras, semear os agriões e colocar estacas nas plantas que possam ser afectadas com os ventos fortes de inverno. Em breve chegará o Dezembro e com ele as festas solsticiais e do nascimento de Cristo, as filhozes e as rabanadas, a missa do galo e as zambumbas.
Entrámos em Junho com ele no solstício do Verão. Salta-se a fogueira pelo S. João, brinca-se com alcachofras e martelinhos, tréculas e zaquelitraques, canta-se e dança-se. Pela calada da noite, invadem-se os quinteiros, assaltam-se as eiras e roubam-se vasos com plantas, carroças e carros de bois para seguidamente os levar para o centro da povoação. São as festas sãojoaninas, assim designadas em virtude da Igreja Católica ter atribuído a esta data o nascimento de S. João Baptista, uma reminiscência de antiquíssimos rituais pagãos relacionados com o Solstício de Verão e ainda com a adoração do fogo. De resto, o fogo adquiriu desde sempre um carácter sagrado ao ponto de ter sido deificado.
No Porto e em Braga, as suas gentes vivem as festas sãojoaninas com particular intensidade. O Barredo e a Ribeira no Porto enchem-se de povo e a alegria e animação dura até tantas da madrugada. Em Lisboa, as festas solsticiais abrangem todo o mês de Junho, associando S. Pedro e S. António aos festejos de S.João. O nascimento de S. António em Lisboa deve ter contribuído para que os festejos lhe tenham sido dedicados, popularizado ao ponto de muitas pessoas pensarem erradamente ser ele o patrono desta cidade.
Desde tempos remotos, o homem celebrava a chegada do Verão acendendo enormes fogueiras, cantando e dançando em seu redor. É a chegada do lume novo, um rito cuja sacralidade original se foi perdendo e que chegou até nós, transmitido de geração em geração, assegurada pela própria tradição.
Entre os gregos e os romanos, competia às Vestais - sacerdotisas dos templos dedicados a Vesta - a tarefa de preservar aceso o fogo sagrado. Entre nós, persiste o costume de acender o lenho na noite de Natal ou na passagem do ano e o círio pela Páscoa. Manda a tradição católica que, à beira da pia batismal, os padrinhos transportam a vela acesa quando o batizado não o pode fazer se ainda for demasiado jovem. Mas, falo-a quando chegar a altura de confirmar o seu batismo cristão. É que o fogo é a luz que nos ilumina e mostra a Verdade e a Vida. É ainda o fogo que nos aquece e afaga a nossa rude existência, elemento purificador que constitui um dos quatro elementos - os outros são a Terra, o Ar e a Água.
Mas o fogo é também festa. Desde a sua descoberta, aprendeu o Homem aprendeu a produzi-lo e manipular ao ponto de conseguir iluminar os céus e a terra com uma verdadeira constelação de alegria, salpicando-o de lágrimas e girândolas de cores e formas variadas, compondo na abóboda celestial um autêntico hino ao Criador. Afinal de contas, foi Ele quem pela primeira vez nos enviou o fogo sob a forma de um raio ou cuspiu das entranhas de um vulcão - eis o gesto primordial da criação que é ritualizado pelo homem desde os tempos em que Adão e Eva foram expulsos do paraíso por um anjo que empunhava uma espada de fogo.
É tempo de proceder à ceifa do trigo, do centeio e da cevada, de sachar o milho, sulfatar a vinha e crestar o mel das colmeias. Mas também é altura de festejar o S. João e saltar a fogueira. Desde o solstício de Verão até ao equinócio do Outono, é tempo de festa, de estúrdia e de arraial. E, a fazer jus à fama da pirotecnia, não há verdadeiramente festa sem o luminoso colorido do fogo-de-artifício e o estardalhaço dos foguetes. O folclore do nosso povo conserva raízes que nos transportam à origem da própria civilização humana.
Solstício de Verão. Cividade – Cossourado : Paredes de Coura. sábado | 22 jun | a partir das 18h00
Este sábado, dia 22 de junho, a partir das 18h00, centenas de pessoas sobem ao monte da Cividade em Cossourado, em Paredes de Coura, para juntos celebrarem o Solstício de Verão.
Não faltarão rituais ao pôr-do-sol, queimada à meia-noite, cuspidores de fogo, malabares, peças de teatro, música celta, gaitas de foles e bombos, recriando tempos idos no Povoado Fortificado de Cossourado, um povoado que remonta à idade do ferro e em cujo território todos os anos se festeja a união do Pai Sol e da Mãe Terra.
Promovido pela Associação A Cividade, em colaboração com o Município de Paredes de Coura, esta celebração do Solstício de Verão acontece todos os anos no sábado mais próximo do dia do solstício, no Povoado Fortificado de Cossourado.
Ao fim da tarde o cenário está pronto para começar a receber os convivas. Os petiscos e bebidas combinam saborosamente com aquele ambiente natural. A festa prolonga-se enquanto houver convivas até ao nascer de um novo dia, celebrando a vida e saudando a entrada num novo verão.