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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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SENADOR NARCISO ALVES DA CUNHA PROPÔS EM 1911 A CRIAÇÃO NO MINHO DE ESCOLAS AGRÍCOLAS MÓVEIS

O Sr. Senador Narciso Alves da Cunha apresentou na sessão de 15 de dezembro de 1911, do Senado da República, um projeto-lei para o estabelecimento de escolas móveis agrícolas no norte do país, justificando largamente a sua proposta e tecendo várias considerações acerca das gentes do Minho, sobretudo de Paredes de Coura, Soajo, Peneda e Castro Laboreiro. A referida intervenção transcreve-se do respetivo Diário do Senado.

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O Sr. Alves da Cunha: - Sr. Presidente e Srs. Senadores: vou mandar para a mesa um projecto de lei, que há tempo tenho nesta carteira. Talvez o demorasse ainda por mais algum tempo se não fora ter lido, há dias, um substancioso artigo escrito pelo nosso ilustre e estimado colega o Sr. Miranda do Vale, e publicado num jornal agrícola, A Gazeta das Aldeias, da cidade do Pôrto.

Achei tão judiciosas as afirmações de S. Exa.. afiguram-se-me de tanto interesse as suas observações, que bastaram para me determinarem a apresentar hoje ao Senado o meu modesto projecto, unicamente como uma experiência, que, se não der resultado, amanhã, com uma penada, pode deixar de ser lei do país.

Creio que está em moda discutirem-se, e com muita razão, assuntos que se prendem com a instrução, sobretudo com a instrução popular, que sempre me tem merecido a maior solicitude há dezenas e anos, e por isso entendi que devia associar-me a êste movimento, mandando para a mesa êste projecto de lei, que versa sôbre a criação duma escola agrícola, prática, móvel, pelo sistema das escolas conhecidas pelo nome de Maria Cristina, e que tem dado óptimos resultados. (Muitos apoiados).

Para justificar os pontos em que baseei o meu trabalho, peço licença a V. Exa. para ler, apenas, dois artigos, e depois formularei as considerações que julgar convenientes para justificação do meu projecto.

O artigo 1.° diz:

Leu.

Artigo 3.°: Chamo a atenção dos Srs. Senadores para êste artigo, que é um dos mais interessantes do projecto e de mais utilidade, segundo se me afigura, para a democratização do norte do país.

Diz assim:

Leu.

Sr. Presidente: eu não sou profissional, não sou pedagogo, nunca fui pedagogista, mas a verdade é que, desde há muitos anos, me tem, como disse, merecido especial cuidado a instrução popular, a instrução dessas massas anónimas, que vivem do campo, que vivem da terra e para a terra, que mourejam todo o dia, hora a hora, desde manhã até de noite, debruçadas sôbre a mesma terra para lhe pedirem pão para comer e até para o dar ao Estado. Estas classes considero-as eu como o verdadeiro nervo da Nação (Apoiados), e por isso hão-de permitir-me que lhes diga que elas tem sido, precisamente, as mais esquecidas. (Apoiados).

Eu vejo, porque está escrito em estatísticas oficiais, que a população das oficinas, da indústria, do comércio e da viação regula por 1.500:000 habitantes do país, emquanto que as massas agrárias representam 3.000:000 habitantes. Mais ainda: as classes agrárias estão desseminadas por todo o país, absolutamente por todo (Apoiados), embora nas cinco províncias do norte sejam mais densas.

Êsse povo, ou essa classe do povo, donde venho e com o qual me criei, cujas dores tenho auscultado desde há muitos anos, à cujas festas tenho assistido e com quem ainda há pouco privei perto de quatro anos para lhe estudar e registar a linguagem numa modestíssima monografia que escrevi acêrca duma terra do Alto Minho (Paredes de Coura), é de índole naturalmente boa, sofredora e ordeira. (Apoiados).

O povo do norte, e (mando digo norte não me refiro a esta ou aquela província determinada, mas a uma grande parte, senão á maior parte do país, é essencialmente trabalhador, respeitador das autoridades, pontual no cumprimento dos seus contractos e verdadeiramente amorável.

Haja vista o que se passa no Alto Minho, naquelas montanhas da Peneda, Suajo e Castro-Laboreiro, quando algum forasteiro (e são bem poucos os que por lá aparecem) se abeira do tugúrio do mais pobre dos habitantes que estão encerrados nas ravinas daqueles montes: o hóspede é, para êles, uma pesca sagrada e é tratado com o melhor que há em casa que, na maior parte dos casos, é pão de centeio e leite.

Nestas condições, e porque tantas vezes, aqui se tem falado na instrução do povo, julgo ter oportunidade a apresentação do meu projecto, não para ser uma lei geral do país, porque penso que o Estado, pelo menos é o que dizem os Ministros, não tem dinheiro para a instrução, mas porque nada se perderá com esta experiência e ensaio.

O ensaio dá resultado?

Está lançada a semente.

A semente frutifica?

Então alargue-se a sementeira, estenda-se por todo o país.

Pelo contrário, o ensaio não dá resultado?

Nós, que estamos aqui, ou aqueles que vierem, com uma penada de tinta, retiramos a êste diploma o seu valor legal e desaparece a escola agrícola, com os seus encargos, que, aliás, são bem modestos.

Sr. Presidente: tem sido com o maior agrado que eu tenho registado a forme, tão distinta como os nossos colegas Srs. Ladislau Piçarra, Eusébio Leão, Miranda do Vale e outros mais, se tem referido, aqui, a assuntos que se prendem com a instrução do povo. Tenho, porém, ouvido dizer, e a minha observação assim o comprova, que no nosso país não há a escola primária, nem a instrução popular, porque a escola até hoje tem-nos dado, apenas, o seguinte: saber ler e escrever.

Saber? Dicant Paduani.

Tenho observado crianças que. tendo feito exame de instrução primária há menos de dois anos, não sabem ler.

Na escola ensina-se adecorar, porque, infelizmente, no nosso país a instrução é considerada como um fim e não como meio.

E, todavia, a escola deve dar um capítulo que se há-de desdobrar na educação, como, há pouco, muito bem disse o Dr. Ladislau Piçarra? para da educação sair a formação do carácter, a disposição para o trabalho, a predisposição para lutar pela vida e uma tal lapidação das faculdades intelectuais da criança que possam actuar na modificação das desgraçadas condições das classes trabalhadoras e no progresso da pátria. (Apoiados).

Mas como é que, não tendo nós casas para escolas, não tendo professores, apropriada e convenientemente preparados, como muito bem disse e acentuou o nosso estimado colega Sr. Miranda do Vale; não tendo nós programas bem orientados, não tendo suficiente verba orçamental, se hão-de preparar crianças sadias, cheias de vida, que amanhã sejam os homens fortes da República?

Como é que se hão-de alumiar estas inteligências infantis que, num futuro proximo hão-de ser as fôrças vivas da Nação, se tudo falta?

Sr. Presidente, e Srs. Senadores, exepção feita Lisboa, Pôrto e mais algum centro populoso, afigura-se me que no nosso país não há, como já disse, instrução popular.

Para mim, e não sou profissional, a escola portuguesa, para dar o resultado que devia dar, e que temos direito deesperar dela, quando convenientemente modificada, é indispensável que, entre outras, satisfaça ás seguintes condições: primeira, ser prática: segunda, agrícola; terceira, regionalista e quarta, um tanto ou quanto, individualista.

Duas palavras apenas sôbre cada uma destas feições. Deve ser prática por isso que o carácter especulativo, que tem por isso tido, é que a não tem deixado frutear, antes a lançou nesse lastimoso estado em que se encontra. Além disso os grandes mestres da sciência pedagógica acentuam que deve ser êste o seu carácter fundamental, como o mais próprio para a vida de trabalho, positiva, a que é destinado o homem.

Agrícola, porque se conta em 65 por cento a população portuguesa que vive nos campos, dos campos e para os campos, espalhada, por todas as províncias do país, isto é, a sua grande maioria, que por isso mesmo, deve ser tida em toda a consideração.

Seria uma temeridade distribuir a instrução primária com a mesma igualdade de processos, de matérias a estudar, por todo o país. Seria uma verdadeira calamidade se tentássemos plantar no Algarve a vinha que produz o vinho verde, só próprio do Alto Minho: inversamente se quiséssemos adaptar ao Alto Minho a plantação da figueira e da alfarrobeira, para criar a indústria do figo seco, ou da alfarroba.

É preciso que na escola se tenha tudo isto em vista, para não resultar improfícua a instrução que ela ministra.

A segunda característica - ser regional - tem dado na Bélgica, os melhores resultados, porque aí a organização da escola varia conforme a região a que ela é destinada.

Para os cantões industriais o ensino primário tem uma parte manual, e para os agrícolas, compreende o ensino da agricultura.

Veja-se agora num só facto, o que nos fazemos e o que se faz na Bélgica: os nossos campos estão separados uns dos outros por verdadeiras muralhas chinesas, que são as suas vedações, mas na Bélgica a divisão e vedação das propriedades é feita por sebes vivas, de macieiras e pereiras, de forma que na primavera, cada propriedade é um jardim enflorado, e no estio, proveitoso pomar, que aumenta o valor da seara.

Deve ainda a escola ter uns laivos de individualista, como na Inglaterra, para que o homem se habituai a contar mais consigo do que com o Estado providência.

A escola primária que eu desejaria ver implantada no nosso país, já não falo da Suíssa, seria a da Suécia, por três razoes:

A primeira, por ser um país pequeno como o nosso, a segunda, por a sua população ser pouco mais ou menos igual à nossa - 5 milhões de habitantes - e a terceira, porque na Suécia pode dizer-se que não há analfabetos. As duas nacionalidades sob êste aspecto, merecem ser postas em confronto.

E o que vou fazer. Na Suécia, para 5 milhões de habitantes, ha 12:000 escolas; o nosso país terá 6:000.

Eu não quero, para não fatigar a atenção do Senado, descrever o sistema da escola primária na Suécia. Entretanto sempre desejo consignar que o ensino é ali dividido em três classes: escola popular ordinária, pequena escola e escola superior.

Há, ainda, depois, uma outra ordem de escolas que muito convinha introduzir no nosso país, que são as destinadas aos filhos do povo dos campos que estão fora da idade escolar, chamadas altas escolas populares, que tem dado os melhores resultados, e que para nós seriam de grande conveniência prática porque as crianças, passados dois anos depois de saírem da escola, deixam esquecer o pouco que lá aprenderam, por falta de continuação em exercícios práticos de leitura e escrita.

Como as altas escolas populares são destinadas a adultos e podem funcionar de noite, seria fácil compelir, quem precisasse, ou por não saber, ou por ter perdido o que aprendeu, a frequentá-las.

Na Suécia há 25 escolas destas; há fixas 9:058, e ambulantes ou móveis 2:923, mas devo declarar que estas notas foram extraídas duna relatório oficial de 1901.

Hoje devem ser muitas mais.

Sr. Presidente: nós somos dominados pelo espírito de rotina, e a rotina é teimosa; por isso cumpre contrapor àquela teimosia, a teimosia da escola agrícola, fazendo-a móvel, de forma tal que apareça, uma e muitas vezes, onde aquele prejuízo está mais inveterado.

Tal foi o meu propósito ao dar-lhe êste carácter de mobilidade.

Deixando, porém, generalidades, desçamos a factos concretos, porque êsses melhoramentos demonstram o rotineirismo do povo do norte.

O povo do norte é assim: há cerca de doze ou quinze anos, um benemérito do meu concelho e que tambêm ocupou um lugar nesta casa, quando ainda estávamos no regime monárquico, o conselheiro Miguel Dantas, aquém eu quero prestar, tambêm aqui, à sua memória, o preito de saudade e respeito que a minha terra lhe deve, quis tornar lá conhecido o trabalho da charrua Brabant, e para isso fez transportar para a sua localidade esta máquina agrícola.

Convidou pequenos lavradores para verem a nova forma de sulcar a terra, procedendo a vários trabalhos, tomando parte algumas mulheres na direcção e manejo da charrua.

Apurou-se que o trabalho era mais perfeito que o das charruas ali usadas; que não precisava mais gado para a tracção, e que havia economia de tempo e pessoal.

Todos ficaram satisfeitos, todos admiraram os trabalhos e, por fim, aquele benemérito aconselhou aquela gente a que se agrupasse, comprando cada grupo uma charrua, visto ser um pouco cara.

Pois, Srs. Senadores, nunca se falou mais. até hoje, naquela charrua, e ninguém a comprou.

Mais.

Eu tentei fazer um pequeno ensaio de aplicação de adubos minerais.

Dividi uma propriedade em dois talhões, aplicando num só estrume do curral, e no outro, o mesmo adubo e o mineral.

Fiz tambêm convites para os trabalhos e, mais tarde, convoquei alguns agricultores, que haviam tomado parte na semente, para observarem o resultado e a diferença na cultura e na novidade.

Pois quer a Câmara saber o que se disse, ao apurar-se que a terra, assim trabalhada e preparada, dava uma melhor produção?

"E do ano".

A escola prática, móvel, que eu preconizo é, pois, duma altíssima vantagem e necessidade, porque vai, de terra em terra, ensinar os novos processos agrícolas.

A escola móvel é duma absoluta necessidade, porque o povo do norte não sai da sua paróquia para aprender os nossos processos de trabalhar a terra e de desenvolver a agricultura e, conseguintemente, a riqueza pública.

Eu já, decerto, tenho cansado excessivamente a Câmara pelo que vou pôr ponto nas minhas considerações.

Vozes: - Não apoiado, não apoiado!

O Sr. Presidente: - V. Exa. já foi alêm da hora.

O Orador: - Então, se V. Exa. o ordena, eu termino.

O Sr. Presidente: - Eu não ordeno nada. O Regimento é que manda.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Agradeço á Câmara a gentileza da sua deferência e serei breve.

O meu projecto tem uma grande vantagem, que consiste na obrigação imposta ao professor de fazer propaganda das leis da República.

Eu, por causa do Regimento, que não permite reunir no mesmo projecto de lei matérias que não a tenham entre si intima ligação, é que não dei a esta parte do projecto a amplitude que êle merecia.

O meu fim era estatuir que o director da escola fizesse propaganda agrícola e democrática ao povo daquele distrito, mas, desde que o Regimento não deixa ir longe, limitei-me a consignar a doutrina que se lê no seu artigo 3.°

Em todo o caso a porta está aberta para um bom serviço à República, desde que, criteriosamente, queira ser aproveitada.

Poderá alguém dizer: mas se não há professores competentemente habilitados, como se pretende estabelecer uma escola agrícola?

Felizmente para uma escola temos onde escolher, pois, há muitos professores com os conhecimentos necessários. Porque, diga-se em abono da verdade, uma das nossas classes sociais, que mais tem progredido, é exactamente aquela que diz respeito ao professorado que tem a seu cargo a agricultura superior - a dos agrónomos.

Não será, por conseguinte, muito difícil, desde que haja boa vontade, escolher e propor quem tenha interesses pelas cousas da República, para ir reger essa escola: creio mesmo que é muito fácil reunir o povo aos domingos para levar ao seu conhecimento aquilo que, presentemente, mais lhe interessa, que é viver num Estado democrático, cujos órgãos, funcionamento, garantias, direitos e deveres, não conhece ou conhece mal.

Interrupção do Sr. Ladislau Piçarra, que não se ouviu.

Sr. Presidente: Todos reconhecem que o norte está por democratizar.

É verdade; e contudo, eu, que nasci lá e lá tenho vivido, pude observar que o povo do norte, se não abraço a República, na sua proclamação, com entranhado afecto, tambêm a não recebeu na ponta das baionetas. Conheço muito o povo do norte, sobretudo o do Alto Minho, e na sei que o das montanhas é muito positivista; só acredita obra, no facto, no que vê, porque está cheio de retórica e farto de promessas não cumpridas.

E porque é assim, foi que eu registei com o maior agrado as considerações aqui feitas, antes de mim, pelo ilustre Senador o Sr. Anselmo Xavier, pois penso sôbre o assunto, como S. Exa., mais obras e menos palavras.

Nós é que devemos ir procurar o povo; nós é que temos de ir ao encontro das populações agrícolas, não esperando que elas venham para nós, sem primeiro lhes mostrarmos; que, sincera e lealmente, nos interessamos por elas.

Não é só por meio da palavra, com uma tal ou qual retórica, mas sobretudo e especialmente com obras e com a instrução que nós nos elevemos dirigir ao povo.

De mais a mais, dá-se o seguinte: o povo do norte não é muito exigente, e tanto não é exigente que o das montanhas do Suajo e da Peneda, onde é preciso percorrer uma distância de 40 quilómetros para levar uma certa ao correio, tem-se mantido nesta situação incomportável, sem grandes reclamações.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já excedeu, e muito, o tempo concedido pelo Regimento para falar antes da ordem do dia.

Vozes: - Fale, fale, fala.

O Orador: - Mais uma vez agradeço, muito reconhecido, a deferência de V. Exas. e prometo ser meio breve.

Sr. Presidente: Quando esteve reunida a Assembleia Nacional Constituinte, nós ouvimos dizer e informar ao Dr. Alfredo de Magalhães, que esteve na Gavieira e Suajo, isto é, no extremo norte do país, qual o estado de alma e de espírito da pobre gente que por lá habita.

Não há cemitérios, não há escolas, nem correio, nem médico; aquela gente, écran, vive uma vida semi-nómada, e vou dar a razão: é porque a gente desta região, desde Maio até Outubro, vive no alto das montanhas, depois retira para o fundo delas, onde vive em choupanas, quási promiscuamente com o gado, para ter mais calor.

Nestas circunstâncias, desde que nós trabalhemos com vontade para a integrar na República, posso garantir a todos que havemos de encontrar ali a primeira guarda avançada da República.

Se quiserem encontrar os primeiros atiradores do pais, tem de ir lá procurá-los.

E, depois, para mim, há uma circunstância que eu desejo registar com especial agrado nesta casa do Parlamento.

Acusa-se por toda a parte o clero paroquial de reaccionário e de intentos jesuíticos; mas a verdade é que D Dr. Alfredo de Magalhães foi encontrar àquelas montanhas párocos dedicados à República, como se não encontrem em outras regiões.

Um pobre velho, que eu conheço, e que ter lá vivido quási toda a sua vida, disse ao Dr. Alfredo de Magalhães que a sua arma de combate era a oração. Aceitamos a Republica, disse o bom ancião, se bem que, até aqui, ninguém nos tenha falado nela.

Vozes: - Muito bem. Os das freguesias próximas ofereceram ao Dr. Alfredo de Magalhães opíparos jantares, e trataram-no com todas as deferências e atenções, como êle próprio reconheceu na Constituinte.

Outro pároco, daquela região montanhosa, que foi excelente caçador, que é muito inteligente e um pároco na verdadeira acepção da palavra, que, quando foi para a sua paróquia, não se cultivando lá a vinha, conseguia, graças à sua inteligente direcção e salutar exemplo, que já se colham aí dezenas e dezenas de pipas de bom vinho verde, êsse pároco, avisado pelos fregueses para fugir, como êles, ao aproximarem-se uns militares que foram àquela freguesia fazer um reconhecimento por ordem do nosso colega na outra Camara o Sr. Simas Machado, quando esteve a comandar as forcas no norte, respondeu-lhes: "está aberta só meia porta da residência; pois vou abrir-lhes a outra meia".

E foi.

E as portas da casa do bom abade foram abertas, de par em par, e os militares ali foram hospedados, com aquela gentileza e afabilidade que êle sabe dispensar a todos que dele se acercam.

É claro que uma boa propaganda não se pode organizar sem elementos locais, em quem o povo deposite confiança. (Apoiados).

Acerca da propaganda no país, recebi, há pouco tempo, uma carta circular do Directório Republicano, e tenho e maior prazer em ver aqui alguns Srs. Senadores, que são membros sse Directório, porque desejo prestar-lhes esclarecimentos, subsídios e elementos, que reputo fundamentais, para se fazer uma propaganda eficaz, de resultados estáveis.

E a qualquer missão de propaganda, que se destine às províncias do norte, é preciso que dela faça parte, antes de mão, um elemento local, isto é, que tenha autoridade moral. (Apoiados).

Se não for assim, como o povo é ignorante, e à beira da ignorância está a desconfiança, êle receberá com pouco agrado aqueles que se lhe apresentarem.

Devem, portanto, figurar nesta classe de rnissões, os elementos locais, ou da freguesia, ou de perto, a quem e povo respeite, em quem deposite confiança; homens que serem como que seus juízes de paz, seus liais conselheiros e amigos sinceros.

Também deve fazer parte dessas missões o elemento militar, mas o elemento militar fardado, porque o povo tem muita consideração e até estima pela farda do oficial do exército: é uma espécie de culto externo, que não é para desprezar.

Quando alguns oficiais do Sr. Simas Machado foram a uma Sociedade sertaneja, no concelho dos Arcos, fazer uma missão de propaganda, encontraram o povo assistindo à missa paroquial.

Entraram no templo e aí se conservaram, até o fim, com todo o respeito, como é próprio de homens bem educados e prudentes, qualquer que seja a sua crença.

Bastou êste facto para, como se diz vulgarmente, empalmarem todo o auditório. Até o próprio párocho assistiu à conferência.

Não se imagina a influência que no povo exerceu essa compostura e respeito por parte dos oficiais, que se apresentaram devidamente fardados, dentro do templo, porque, assim, êles dão uma prova da sua boa educação e do respeito que deve merecer a crença alheia, embora não seja a que êles professam.

Deve, ainda, esta missão conter um membro, de preferência do Ministério do Fomento, que leve autorização para prometer e fazer logo, umas pequenas cousas, umas pequenas despesas, tais como uma caixa de correio, ou estabelecer um posto de registo civil, etc.

Com êstes elementos, eu garanto a V. Exa. que, em pouco tempo, teremos republicanizado o país.

De contrário, se continuarmos a mandar gente desconhecida, se continuarmos neste sistema de irmos para lá fazer discursos muito bonitos, que são bem recebidos naquela ocasião, mas que logo esquecem, não se conseguirá nada.

Eu digo a V. Exa., que já ouvi, a propósito dum orador distinto, que foi a uma daquelas aldeias pregar um sermão, e que fez, realmente, um discurso brilhante. O facto que aponto observei-o eu próprio.

Ao terminar êsse discurso, dirigi-me a um grupo de pequenos lavradores e perguntei:

"Então o que pensam, a respeito do sermão?"

"Oh, muito bem, muito bem, pena foi ser em latim!"

(Riso).

É e que acontece a esta pobre gente, muito rude e ignorante, que está um tanto desconfiada por nunca ter sido atendida em cousa alguma pelos governos da monarquia, e por isso só com obras, que atestem o nosso interesse por ela, é que a podemos integrar na República.

Sr. Presidente: embora isto custe um pouco ao Estado, fiquem certos de que a propaganda nestes termos ha-de ser duradoura e de bons resultados para a República.

Eu podia alongar-me em considerações, mas quero apenas frisar um ponto para V. Exa. e o Senado verem como aquela gente é patriota e respeitadora da autoridade.

Lembram-se de que, quando os paivantes tentaram entrar, como entraram no país, se fez uma chamada das reservas.

Nos jornais de Lisboa nós vimos pejadas as suas colunas de oferecimentos para ir para a raia, chegando o facto a ser moda.

Pois bem: eu posso citar factos de filhos do povo do norte, que bem mostram o seu amor pátrio.

Dois trabalhadores, um do campo, e outro, que depois de ser praça da armada, é hoje carpinteiro, escreveram-me nos seguintes termos:

O primeiro, pedindo que intercedesse junto do Sr. Ministro da Guerra para que o deixasse fazer parte daquelas fôrças do norte, e acrescentava "que ainda tinha boa pontaria".

O segundo pedia a mesma cousa e dizia: "O meu maior prazer seria apresentar em Lisboa a cabeça de Paiva Couceiro".

E um velho pai, que não pude apresentar o filho por estar no Brasil, voltou-se para a autoridade e disse: Estou eu aqui, senhor, para ir servir no lugar de meu filho".

Então esta gente não é patriota? Até faz bem ouvir falar o povo por esta forma.

O que falta, é nós estendermos-lhe os braços, ir procurá-lo ás ravinas e encostas dos seus montes, com o duplo fim de o educar, para ser útil á Pátria, e de melhorarmos as suas precárias condições, que, no norte, são bem mesquinhas.

Vou mandar para a mesa o meu projecto, e V. Exas. hão-de apreciá-lo como êle merecer e for de justiça.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

O orador foi cumprimentado por muitos Srs. Senadores presentes.

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