QUEM FOI O POETA LIMIANO JOÃO MARCOS?
João Gonçalves Ribeiro de seu nome completo nasceu na freguesia de Rebordões - Santa Maria, no concelho de Ponte de Lima, em 25 de Abril de 1913.
Foi vasta a sua produção literária que se encontra publicada. De entre ela, salientamos, em poesia, “Um Novo Mundo Perfeito”, “Colonizados”, “Ode Terrestre – Separata do “Cardeal Saraiva”, “Manhãs de Abril”, “O Ser e o Nada”, “Meu Verde Minho”, “Epopeia do Homem Cósmico”, “Balaio de Camarinhas”, “Versos do Fim do Dia” e “Epopeia do Homem Lusíada”. Na ficção, “Entre o Amor e a Loucura”. “Uma Terra que se chamou Geridel”, “Nas Ourelas do Fogo” e “Estrasburgo 1964”. Na investigação histórica, “O Conde da Barca na política europeia do pré-liberalismo” e “O Cardeal Saraiva – Evocação de Frei Francisco de S. Luís”. Deixou também inéditos a aguardar publicação.
Evocando a sua memória, transcreve-se seguidamente o artigo “João Marcos: Decano dos Poetas Limianos”, da autoria de Carlos Gomes, publicado em 2004, escassos meses antes de falecer, na revista “O Anunciador das Feiras Novas”, nº. 21, publicação anual de informação, cultura, turismo e artes limianas que se edita em Ponte de Lima.
JOÃO MARCOS: DECANO DOS POETAS LIMIANOS
“Não é em vão que se nasce em terras limianas, glorificadas pelos nossos maiores poetas como Diogo Bernardes, Frei Agostinho da Cruz e António Feijó. Ponte de Lima, coração desta região encantada onde os montes de Parnaso envolvem o mítico Letes, tem o privilégio de poder contar com muitos desses poetas entre os seus filhos mais extremosos. João Marcos, justamente considerado o decano dos escritores da Ribeira Lima, é natural de Rebordões – Santa Maria e nunca esqueceu a terra que lhe serviu de berço, mesmo quando o exílio o forçou a partir para terras distantes” – foi com estas palavras que o autor deste artigo começou por prefaciar o livro “João Marcos – 50 anos de vida literária” que transcreve a conferência levada a efeito por Cláudio Lima, em 1997, nas instalações da Casa do Concelho de Ponte de Lima, em Lisboa. Com efeito, tratou-se de uma homenagem justíssima que conterrâneos e amigos resolveram prestar-lhe, revelando-lhe a admiração que sentem pela sua pessoa e pelo seu trabalho nomeadamente como escritor e poeta e ainda um tributo pelo que tem feito no sentido do engrandecimento de Ponte de Lima. E, por ser merecida, também a Câmara Municipal de Ponte de Lima decidiu atribuir-lhe a medalha de mérito cultural, gesto louvável porque teve a virtude de lembrar um dos seus filhos mais ilustres.
Não pretendemos com o presente trabalho proceder a uma análise exaustiva da obra literária de João Marcos nem tão pouco seguir o percurso da sua vida – Cláudio Lima fê-lo melhor do que ninguém, podendo com toda a justiça ser considerado o seu biógrafo. Apenas procuramos render a nossa humilde e sincera homenagem a um dos mais ilustres filhos da terra limiana de quem temos recebido inúmeras manifestações de amizade de que muito nos orgulhamos.
João Marcos não é apenas um poeta limiano. Ele é sobretudo um homem solidário que exprime nos seus versos uma preocupação com o sofrimento humano e revela um compromisso permanente com um ideal de paz e harmonia entre os homens e, simultaneamente, entre o Homem e o Universo. Como disse Cláudio Lima na conferência que proferiu em sua homenagem, “... a par das preocupações sociais (por vezes no seio delas), a poesia de João Marcos patenteia sempre uma inquietação metafísica, uma busca e aprofundamento da natureza do ser, uma incursão porfiada às fronteiras-limite do mistério”.
João Marcos Gonçalves Ribeiro de seu nome completo, o nosso ilustre conterrâneo nasceu na freguesia de Rebordões - Santa Maria, no concelho de Ponte de Lima, em 25 de Abril de 1917, tendo portanto já ultrapassado a provecta e respeitável idade de oitenta e sete anos. Como curiosidade, refira-se que o dia do seu nascimento é no calendário litúrgico dedicado a S. Marcos, facto que muito provavelmente determinou a escolha do seu nome, tanto mais que descende, pelo lado materno, de uma família influente e tradicionalmente monárquica oriunda de Vila Franca de Xira, donde se conclui também rigorosamente observadora dos costumes católicos. Mas esse é também o dia em que, sessenta e um anos após a data do seu nascimento, veio a ocorrer em Portugal um golpe militar que se transformou numa revolução que se prometia libertadora para o povo português e que, por um feliz acaso, ficou conhecida por “Revolução dos Cravos”, facto esse que também marcou um homem que, já em discordância com o regime do Estado Novo, embarca para o Brasil em 5 de Agosto de 1939 de onde só regressa oito anos depois. Aliás, a comprová-lo, foi precisamente o nome “Revolução dos Cravos” a designação escolhida que serviu de título a um poema que publicou no seu livro “Manhãs de Abril” e do qual extraímos a seguinte passagem:
1º acto: Quinta-feira central
de um ano como tantos mais.
Do meu dia natal
mais um beijo de outros natais.
Festa a ser resumida
num bolo de bastantes velas,
família reunida
em manifestações singelas
- mais um vinte e cinco de Abril
soprado na noite vil
Pese embora as influências sobre si exercidas pelas leituras de Rosseau, Proudhon e mais tarde Sartre e ainda o seu posicionamento político adverso à ditadura, João Marcos manteve sempre um elevado portuguesismo que o impeliu a regressar a Portugal. Como Cláudio Lima referiu, “se Ferreira de Castro, nos seringais amazónicos, sofria da lonjura do seu Caima debruado de choupos; se Miguel Torga, nos capinzais mineiros, obsessivamente lançava o pensamento ao seu Douro coleante e impetuoso, também João Marcos, nas poluídas avenidas do Rio ou de S. Paulo, suspirava pelas edénicas belezas do seu Lima”. Aliás, sendo nós conhecedores da sua opinião, entre outros aspectos, relativamente à situação em que ilegitimamente Olivença se encontra sob ocupação de Espanha e os direitos que a esse respeito assistem ao nosso país, estamos em condições de reconhecer o seu patriotismo. Ao prefaciar o seu livro “A Minha Alma Brasileira”, afirma a Drª Manuela Rodrigues tratar-se de “um português, minhoto da mais preclara cepa, com as suas raízes profundas nesse canto do país onde os celtas e os visigodos plantaram corações e almas fortes, de antes quebrar que torcer. Tão fortes que são capazes de partir, criar raízes e voltar, mantendo a portugalidade mais profunda, sem contudo deixarem de absorver de passagem o que de melhor as culturas locais lhes apresentam“.
Colaborador assíduo da revista “O Anunciador das Feiras Novas” e de numerosas publicações de índole cultural e regional, o escritor João Marcos possui uma obra literária assinalável repartida pela poesia, o conto literário, a ficção, o teatro e a investigação histórica. “Polifonia Singela” é o título do seu primeiro livro que publica em 1946, ainda no Brasil, editado pela Norte Editora, do Rio de Janeiro. Trata-se de um livro de poemas que, conforme o Jornal de S. Paulo referiu, são “de leitura agradável e sugestiva, com poesias realmente encantadoras, conseguirá este livro prender a atenção do leitor, pois tem sensibilidade, denota largueza de vistas e expressão justa”. É precisamente de “Polifonia Singela” que repingamos o seguinte quinteto:
Numa terra longe, à procura da sorte,
Vai um peregrino, talvez a pensar
No destino incerto, no inseguro norte:
Procurando a vida, pode achar a morte...
Mas a vida importa, tem de a procurar!
Desde então, a produção literária do escritor João Marcos não mais parou. Publicou em poesia “Um Novo Mundo Perfeito” em 1953, “Colonizados” em 1975, “Ode Terrestre – Separata do “Cardeal Saraiva” em 1986, “Manhãs de Abril” em 1994, “O Ser e o Nada” em 1996, “Meu Verde Minho” em 1997, “Epopeia do Homem Cósmico” em 2000, “Balaio de Camarinhas” em 2001, “Versos do Fim do Dia” em 2002 e “Epopeia do Homem Lusíada” em 2003. Na área da ficção estreou-se em 1987 com o romance “Entre o Amor e a Loucura”, em 1992 publicou “Uma Terra que se chamou Geridel”, em 1993 “Nas Ourelas do Fogo” e, em 1999, o romance “Estrasburgo 1964”. No domínio da investigação histórica publicou em 1993 “O Conde da Barca na política europeia do pré-liberalismo” e em 1995 “O Cardeal Saraiva – Evocação de Frei Francisco de S. Luís” que constitui a edição da conferência que entretanto realizou na Casa do Concelho de Ponte de Lima. Recentemente publicou “A minha Alma Brasileira” que constitui um livro de contos e narrativas que transmite o seu sentir e experiências vividas durante o seu exílio no Brasil, tendo ainda participado com um conto da sua autoria numa colectânea a que foi dado o título “Contos do Minho” e que reuniu duas dezenas de contistas minhotos. Além dos trabalhos publicados, João Marcos possui ainda numerosos inéditos a aguardar publicação, trabalhos de grande valor a aguardar o interesse de alguma editora ou, quem sabe, de qualquer outro organismo cuja actividade esteja orientada para finalidades culturais.
Ainda segundo Cláudio Lima, “em toda a sua obra poética explora João Marcos esse inesgotável veio da nossa tradição lírica moderna. Com maior ou menor ímpeto de militância a favor dos desfavorecidos da sorte e excluídos da sociedade; com diversificados modelos de composição e registos de inspiração, o ideal romântico da poesia como instrumento de denúncia e arma de combate (Victor Hugo, Antero de Quental, etc.) sempre tem apaixonado e mobilizado o vate limiano”. E é precisamente do seu livro “Epopeia do Homem Lusíada” que extraímos o seguinte poema:
Sou português e vou do Algarve ao Minho
sou marinheiro e vou até Timor
de leste a oeste abrindo o meu caminho
levando a língua, a fé e o meu amor.
Eu sou Vasco da Gama, sou Cabral,
Fernão de Magalhães... sou lusitano
e levo o coração de Portugal
além de toda a terra e mar oceano.
Eu levo a minha língua, a minha lei,
as normas e o sentir do meu viver;
além, em toda a parte, espalharei
as eternas raízes do meu ser.
Sem medo, para além do bem, do mal,
abrir um novo mundo é o meu destino,
levar o Império, a Fé, levar meu Hino,
os perigos vencer, sou Portugal.
Com efeito, parafraseando Cláudio Lima, a poesia de João Marcos constitui “um permanente convite à elevação, ao compromisso com a vida e os valores que a substantivam, à prática de um exercício reflectivo sobre o Homem e o Universo. Mesmo quando parece deter-se em coisas miúdas e prosaicas, mesmo quando a sua musa azougada o seduz aos bosques de um erotismo faunesco ou o tenta enredar nos liames de um telurismo primário e convencional – sempre o Poeta se esquiva ao conceito gasto, ao efeito fácil, e imprime o seu selo de autenticidade, fazendo do acto de escrever não um mero auto-enamoramento narcisista, mas o reflexo nítido do que de mais nobre e imperecível deve fundamentar a vida e sublimar a arte”.
Enquanto permaneceu no Brasil, João Marcos foi secretário de Direcção da Companhia de Navegação Aérea, redactor de publicidade científica na sucursal da Companhia Química Rhodia Brasileira e na filial dos Laboratórios Farmacêuticos Glassop. De regresso a Portugal, trabalha como correspondente comercial de uma empresa sediada no Porto, é chefe de correspondência estrangeira da Companhia Colonial de Navegação e, colaboração com a sua espôsa, Drª Agostinha Andrade, licenciada em Farmácia, funda em 1958 a Farmácia “Andrade Ribeiro” que ainda mantém, situada numa das mais movimentadas e bem situadas artérias de Lisboa – a avenida Infante Santo.
Licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas, exerceu a carreira docente em diversos estabelecimentos de ensino oficial, leccionando Filosofia, História e Ciências Sociais. O escritor João Marcos é membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Associação Portuguesa de Poetas, da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, do Círculo de Cultura Luso-Brasileira e da Sociedade de Língua Portuguesa. Faz ainda parte da Tertúlia Rio de Prata que reúne cerca de quatro dezenas de escritores os quais, todos os anos, vêm publicando um simpático livrinho de poemas com o título “Florilégio de Natal”. A convite da Casa do Concelho de Ponte de Lima, Cláudio Lima proferiu nas suas instalações em Lisboa uma palestra evocativa da passagem dos cinquenta anos de vida literária do escritor, iniciativa que decorreu no dia 25 de Janeiro de 1997 e contou com a presença de apreciável número de conterrâneos.
Com a sua primeira obra publicada há quase sessenta anos, João Marcos, em relação a quem curiosamente se desconhece qualquer pseudónimo literário, é actualmente o decano dos poetas limianos e muito provavelmente de todos os escritores portugueses. A sua obra literária é cada vez mais reconhecida e divulgada. Pena é que, apesar do ritmo a que tem vindo a editar os seus trabalhos literários, muitos dos seus inéditos continuem à espera de uma oportunidade de publicação. O talento e o valor de uma obra tem, frequentes vezes, a particularidade de levar um certo tempo a ser devidamente reconhecida e avaliada pelos espíritos menos iluminados.
BIBLIOGRAFIA:
LIMA, Cláudio. João Marcos – 50 anos de vida literária. O Anunciador das Feiras Novas. Ponte de Lima, 1996
LIMA, Cláudio. João Marcos – 50 anos de vida literária. Casa do Concelho de Ponte de Lima, Lisboa, 1997
A imagem mostra o escritor João Marcos (à esquerda) e Carlos Gomes (Administrador do BLOGUE DO MINHO)