PAREDES DE COURA: DR. HENRIQUES RODRIGUES APRESENTOU NA CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA OS SEUS LIVROS SOBRE “MOBILIDADES. DO VALE DO MINHO E GALIZA E CORRESPONDÊNCIA DO BRASIL E PERFIS DOS EMIGRANTES NO SÉCULO XIX”
Estamos perante uma complexa e exaustiva obra de investigação, no âmbito das mobilidades, na região do Alto Minho. É parte de um trabalho de investigação que o autor apresentou, em primeira mão, como dissertação de doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, acerca de vinte anos. Mas não parou aí o estudo e reflexão com a defesa da tese. O Prof. Doutor Henrique Rodrigues tomou a temática das mobilidades nas suas mais diversas variáveis para provocar novas reflexões nos seus alunos, enquanto docente do ensino superior, bem como nas múltiplas comunicações em congressos e seminários, no país e no estrangeiro, junto dos seus pares. Agora compilou vários estudos, em dois volumes. o que representa, de facto, um tempo longo de reflexão e de escrita aprimorada.
Depois de uma vida dedicada à investigação, o autor deparou-se com um conjunto deveras significativo de trabalhos científicos, na área das mobilidades, que andavam dispersos e que careciam de ser agregados porque eles constituem um todo e obedecem a uma única lógica. São dezenas de textos divulgados em obras coletivas ou espalhados por centros de investigação, com destaque para os divulgados em Espanha e Brasil, em capítulos de livros ou atas de reuniões em que participou, bem como em revistas com arbitragem científica.
O autor circunscreveu o estudo da emigração para o Brasil à região do Alto Minho e ao período dos séculos XIX e inícios do XX. O seu olhar e atenção voltaram-se para a fonte primordial do arquivo do ex-Governo Civil de Viana do Castelo onde se encontra a abundante documentação que mais e melhor informação lhe poderia fornecer – os passaportes de emigração para o Brasil das gentes do Alto Minho e de cidadãos oriundos da Galiza, que daqui partiram para as Américas. Acresce, ainda, que grande parte desses documentos oficiais são acompanhados de cartas desses emigrantes, que foram usadas para fins de aquisição de licença de viagem, e que o seu uso transformou em documentos “oficias”, sendo integradas no corpo dos processos para requisição de passaporte. Além disso, o Prof. Doutor Henrique Rodrigues deitou mão do seu rico e variado arquivo particular, onde reúne mais de um milhar de documentos da emigração e outros arquivos familiares de gente de sucesso no Brasil.
Diria, antes de mais, que este conjunto documental de arquivo lhe forneceu um manancial de informação, quase inesgotável, que o autor, com mestria, soube explorar e expor de uma forma exemplar e exímia nas suas exposições orais e nos múltiplos escritos que foi deixando em publicações de especialidade. Uma primeira nota, que logo ressalta do tomo n.º 1, é a meticulosa recolha dos dados e a rara forma como o Doutor Henrique os trabalhou – através da análise das mais diversas variáveis – retirando deles as mais impensáveis conclusões que caracterizam uma época e uma região, fazendo cair por terra muitos mitos existentes sobre os nossos emigrantes de oitocentos. Daí a originalidade e riqueza de informação que aqui se colhe e que fica à disposição de ulteriores desenvolvimentos na área das mobilidades. O número de casos registados conta-se na ordem de dezenas de milhares, como se pode ver pela análise do tomo sobre perfis de emigrantes.
Quando falamos da emigração do séc. XIX, nesta região em concreto, estamos a referir-nos a motivos essencialmente económicos que levaram grupos de pessoas a deixar o país e a procurar o Brasil em busca de empregos e melhores condições de vida. Trata-se de um fenómeno complexo que, nesta região do Alto Minho e neste período em análise, envolveu um fluxo migratório significativo, como podemos constatar pelos dados apurados e apresentados através das mais variadas formas.
Que é que atraía os nossos emigrantes a procurar o Brasil? Que desejavam fazer num país tão longe que, em princípio, levava à separação e até desagregação da família, e a despesas que levavam normalmente ao endividamento familiar? A resposta a estas e a muitas outras questões passa muito pela análise epistolográfica onde mais se evidenciam as razões que levaram aos fluxos migratórios que o Doutor Henrique sabiamente explora e apresenta.
Este estudo permitiu-lhe traçar um quadro bem elucidativo do que foi, de facto, a emigração para as Terras de Vera Cruz, averiguando as causas e as consequências que, nem sempre, foram as mais felizes. A partida para o Brasil era quase uma miragem, era a ideia de um “El Dorado”, ideia essa alimentada pela fantasia de um enriquecimento fácil e uma vida opulenta para todo o agregado familiar. Era, muitas vezes, o espírito de aventura que norteava a partida para o desconhecido, um pouco ao sabor dos navegadores de outrora que deram “novos mundos ao mundo”.
É um facto que os nossos emigrantes se dedicaram mais a atividades urbanas, principalmente o comércio e serviços, porque a experiência que levavam era a da agricultura de subsistência que não os retirava da pobreza em que viviam e o sonho que os levava apontava por outros voos mais altos. O Brasil surgia, então, como a possibilidade de um enriquecimento fácil e uma possibilidade de ascensão na vida social da sua terra de origem. A sua miragem era poder voltar à terra com uma aura de sucesso que os alcandorasse no seu meio social e os tornasse invejáveis aos olhares dos seus concidadãos.
Na verdade, aqui é feita uma avaliação aos refluxos e reembarques, às travessias da primeira viagem, por concelhos e índices de instrução. O número de reembarques atinge a maior dinâmica no último quartel do século XIX, o que significa que foi bem-sucedida a partida para o Brasil. Por outro lado, relacionando o reembarque com a alfabetização, o autor verifica uma melhoria substancial nos índices de alfabetização, o que significa, também, uma melhor posição laboral conseguida.
O primeiro tomo, agora em análise, com mais de 500 páginas, está estruturado em quatro grandes partes que, por sua vez, foram subdivididas em onze capítulos: Mobilidades epistolares, saudade e solidariedade (escritas populares da emigração; a saudade na epistolografia e quadros da emigração); Mobilidades demográficas (mobilidade da juventude e correspondências; mobilidades rurais e urbanas; geografia do emigrante do noroeste de Portugal; mobilidades de pequena e média distância); Mobilidades de quadros familiares precários (emigração de órfãos; mobilidade de filhos ilegítimos no século XIX; sobrevivência de expostos); Mobilidades de galegos (galegos para as américa no século XIX).
No primeiro capítulo, e através de um tratamento minucioso e exaustivo, emergem as fontes utilizadas. O autor dá uma particular atenção às cartas de emigração, aos ritmos de correspondência, aos papéis femininos, às preocupações com a viagem da família, às imagens de alfabetização e ao enxoval que a família levava e, até, a determinados pormenores que passavam pelos conselhos dados à esposa na forma como se devia vestir e comportar durante a viagem.
No campo das mobilidades demográficas apresenta-nos a geografia do noroeste de Portugal, com pormenores: proveniência e destino dos lavradores e agricultores, dos estudantes e caixeiros, dos pedreiros e trabalhadores de calçado, carpinteiros, alfaiates e chapeleiros, entre outros. Mas não são só os rurais que emigram. Para além das mobilidades rurais e quadros profissionais das aldeias, o investigador preocupa-se em apresentar também um quadro completo das mobilidades urbanas através dos embarques e reembarques, quadros profissionais dos burgos, destinos à primeira travessia e destino dos reembarcados.
Dentro das mobilidades individuais, o Historiador dedica um capítulo à mobilidades de quadros familiares precários: os órfãos, os filhos ilegítimos e os expostos. Numa análise mais fina, apresenta os índices de orfandade, de ilegítimos e expostos, origem, destinos, níveis de literacia, identificação dos progenitores, quadros profissionais e instrução, distribuição por locais de naturalidade, sobreviventes e trajetórias. Enfim, traça um quadro minucioso esgotando a análise das fontes consultadas.
Finalmente, temos o capítulo dedicado à mobilidade de galegos que, de Portugal, demandaram as Américas. Na linha metodológica que traçou apresenta, antes de mais, as fontes utlizadas. E depois, os passos que sistematicamente explorou: áreas de naturalidade, distribuição, por municípios, das províncias de A Coruña e Pontevedra, áreas de residência e áreas de destino.
Esta obra teve como mecenas, a CCAMN (Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Noroeste), tendo dado um contributo financeiro assinalável, sem o qual a edição não teria visto a luz do dia. Também houve apoio financeiro concedido pelas câmaras de Vila Nova de Cerveira, Paredes de Coura, Valença, Monção, Melgaço e pela FCAN (Fundação Caixa Agrícola Noroeste). Ainda apoiaram esta edição a CIM Alto Minho (Comunidade Intermunicipal do Alto Minho) e a APHVIN/GEHVID (Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho).
Bem-haja ao autor e aos patrocinadores, pelo papel em prol da cultura da nossa região e por terem dado espaço ao cidadão anónimo que emigrou no século XIX.
Ernesto Português
Dezembro de 2024
Nota biobibliográfica do Prof. Doutor Henrique Rodrigues
Henrique Fernandes Rodrigues formou-se na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo obtido os graus de Bacharelato. Licenciatura, Mestrado e Doutoramento em História Moderna e Contemporânea, com Louvor e Distinção por unanimidade do júri. É investigador do CETRAD/UTAD e docente aposentado do Ensino Superior.
Participou em mais de cento e sessenta eventos científicos nacionais e internacionais com comunicação. É autor de mais de duzentos títulos dados a lume no Brasil, Chile, Espanha, Ilhas Baleares, França, Portugal (Portugal Continental, Madeira e Açores). Organizou eventos científicos sobre a problemática das Mobilidades, Escritas, Alfabetização e da Guerra e fez parte de várias comissões científicas de congressos nacionais e internacionais. Foi Fundador e Coordenado Científico da Revista Estudos Regionais, 2.ª série (n.º 1 a 4). É membro de várias associações e de centros de investigação, de que se destaca a APHVIN/GEHVID (Associação Portuguesa de História da Vinha e do Vinho), CER (Centro de Estudos Regionais), ADEH (Associação de Demografia Histórica Ibérica) e do CETRAD.
Foi colaborador da Universidade Portucalense-Infante D. Henrique, instituição onde arguiu e orientou várias dissertações de doutoramento, e da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), com o mesmo perfil de ação. Orientou cerca de três dezenas de dissertações de mestrado no ensino superior e arguiu várias dezenas.
Tem colaborado com o CEHA (Centro de Estudos de História do Atlântico), onde foi co-organizador de vários eventos científicos internacionais sobre Escritas do Eu, Escritas de Si e Mobilidades. Foi membro efetivo do CEPESE do Porto e colaborou com outros centros de investigação estrangeiros, com destaque para o Brasil, Espanha, Chile e França.
Publicou em várias revistas internacionais e nacionais. Das publicações sobre Mobilidades, destacam-se os trabalhos dados à pública forma no Funchal, Ponta Delgada, Maia, Minas Gerais Rio de Janeiro, São Paulo, Porto, Santiago de Compostela, Valência, Córdova, Múrcia, Vigo, Braga, Guimarães, Barcelos, Bragança, Coimbra, Évora, Lisboa, Paris, Régua, Viana do Castelo e várias academias e centros de investigação, de que se apresentam alguns textos vindos a lume: Imagens de emigração oitocentista na correspondência enviada do Brasil; Escritas de Emigrantes, uma abordagem à correspondência oitocentista; Escrita popular e imagens da emigração portuguesa; Uma abordagem às cartas enviadas do Brasil; “Viagens e Turismo” no século XIX, abordagem às imagens dos emigrantes da região da região do vinho verde a partir da escrita popular; A viagem, o sagrado e o profano na correspondência do século XIX; Arquivar a própria vida, documentos da Casa Malafaia de Viana; As Margens da Palavra, Cartas, Vozes e Silêncios Femininos, Solidariedade, apoios e gestos caritativos no contexto da emigração oitocentista; Correntes de afeto em tempo de guerra e Correspondências da Guerra Colonial.
Tem centrado a investigação na área da epistolografia dos “Sem História”, recorrendo às escritas populares, analisando os afetos da juventude através das correspondências; Cartas e aerogramas da guerra colonial; Escritas breves da Primeira Guerra Mundial; Epístolas da emigração Lusa; Cartas da diáspora vianense oitocentista; Escritas privadas e familiares; Correspondência recebida por um “brasileiro”; Memórias da Emigração, correspondências oitocentistas; Escritas da mobilidade; Escritas de si e correspondências da emigração, além de outras áreas de investigação, onde se cruzam os saberes da História, Linguística, Antropologia e Sociologia.
Tem em curso a preparação do quarto tomo sobre mobilidades da epistolografia. É investigador registado na Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).