O TRAJE MINHOTO NO CARNAVAL ALFACINHA
Durante muito tempo, os trajes regionais foram utilizados como máscaras de Carnaval durante a respectiva época festiva, verificando-se uma especial predilecção pelos garridos trajes minhotos. Crianças e adultos, porventura atraídos pelo seu colorido e pitoresco, passeavam-se pela rua ou acorriam às festas particulares, a maioria das quais promovidas pelas sociedades de recreio, envergando um qualquer traje tradicional a emparceirar com máscaras e uniformes dos mais variados ofícios e profissões.
Este costume teve o seu aparecimento numa altura em que o velho Entrudo popular e trapalhão entrou em declínio para dar lugar a uma festa mais ao gosto da pequena burguesia urbana. Com efeito, ao longo do século XIX, os lisboetas divertiam-se na rua brincando o Carnaval, seguindo os desfiles entre o Passeio Público e o Chiado, prolongando as saturnais festividades até ao seu enterro, ocasião em que o mesmo era representado por um desfile fúnebre onde não faltavam as carpideiras seguindo atrás do defunto Entrudo, palidamente deitado no esquife.
Uma das figuras típicas do Carnaval à época era o célebre peralta, vulgarmente tratado por xé-xé. Tratava-se de personagem um tanto grotesca, com casaca garrida e chapéu bicórnio, de cabeleira e rabicho, de lunetas e empunhando uma enorme faca de madeira, representava um velho a quem tudo lhe era permitido dizer e ridicularizar. Ainda hoje, quando alguém profere afirmações menos sensatas, é habitual dizer-se que está xé-xé.
Pese embora ser frequentemente tida como uma caricatura miguelista, a verdade é que a referida personagem não era minimamente do agrado da burguesia citadina que via nela uma figura brutal e rude, sem maneiras, que não poupava quem quer que fosse com o seu sarcasmo e comentários jocosos. Tal sentimento de repulsa era de igual modo extensível ao próprio Carnaval, considerado bárbaro e de mau gosto, impróprios de uma sociedade que se pretendia civilizada. Ironicamente, a burguesia em ascensão parecia querer reeditar os antigos bailes de máscaras que, no século XVIII tinham lugar corte, com os seus arlequins coloridos divertindo os participantes.
Após a implantação do regime republicano em Portugal, o Carnaval de rua praticamente desapareceu para passar a ser festejado em privado, em casas particulares ou nas sociedades recreativas, aí se realizando os bailes e os concursos de máscaras. Foi ainda neste contexto que surgiu o hábito de eleger a “rainha” da colectividade através de um processo de votação que se traduzia numa interessante fonte de obtenção de receitas, prática que apesar de extemporânea ainda subsiste nalgumas associações.
A preferência pelos trajes regionais como máscaras de Carnaval tem sobretudo a ver com a forma como os costumes populares são encarados por parte de uma burguesia urbana que já então olhava para o folclore como algo curioso e bizarro, com a mesma reacção de surpresa dos exploradores do sertão ao depararem com gente remota. Não admira, pois, o preconceito com que o folclore continua a ser encarado, mormente quando é referido de forma depreciativa, o que não deixa de revelar uma profunda ignorância a seu respeito.
Entretanto, o Carnaval regressou à rua, mas sem o cunho burlesco de outros tempos. Agora, apesar do frio intenso que geralmente se faz sentir por essa altura, o público paga para assistir ao desfile de escolas de samba e garotas admiravelmente despidas, muito ao jeito do Carnaval brasileiro. Nas sociedades recreativas já não se realizam os famosos “bailes da pinhata” e, em relação aos trajes tradicionais, há muito tempo que deixaram de ser usados como máscaras de Carnaval.