BÉLGICA / BRUGES: 600 ANOS DE AMIZADE COM PORTUGAL
- Crónica de Tito Morais
Retomando a nossa deslocação no último fim de semana á Bélgica, uma escapadela cultural preencheu o domingo; a visita, com família e como tal particular, desta vez integrou Bruges no roteiro, a multisecular cidade de trocas comerciais com Portugal, localizada a uma centena de quilómetros ao norte de Bruxelas, classificada como Património Mundial pela UNESCO e em 2002 foi a Capital Europeia da Cultura.
Chegados à Praça Grande (Grote Markt) ou principal, com uma área de um hectare, o percurso começou pela Torre Belfort (foto), começada a construir pelo ano de 1240 e concluída no de 1487. O monumento com seus 83 metros, permite disfrutar duma magnífica vista da cidade depois de subir o equivalente aos dias do ano (os seus 366 degraus), equipada com um carrilhão de 47 sinos, funcionou já como arquivo municipal e posto de vigia para incêndios.
Documentado antes da viagem, no seguimento da palestra em janeiro último Relações Socioeconómicas de Portugal com a Flandres (1183-1559) proferida no Almoço (com produtos) do Mar, na Casa de S. Sebastião, Ponte de Lima, eis que aprofundamos as pesquisas.
Deste modo, recuemos ao verão de 1183, ao mês de Agosto, para assinalar o casamento de Teresa de Portugal, filha do fundador D. Afonso Henriques, com o Conde da Flandres, Filipe “de Alsácia”, celebrado na catedral Nª Sª da Tournay, em Bruges. Na cidade residia já em 1395 uma colónia de mercadores portugueses que possuía também seus armazéns, em Ridderstraat, mudando-se depois dessa rua para a de Winkel Straat. Uma trintena de anos volvidos (1430), destacava-se na comunidade portuguesa fixada na capital da Flandres Ocidental, Pedro Eanes, feitor régio nomeado por D. Afonso V, cujas trocas comerciais eclodiram, de tal forma que em 1445, é construído em Bruges o edifício da Feitoria de Portugal. A antepassada da nossa alfandega, marítima, designada então de Feitoria é transferida em 1499 para Antuérpia, onde funcionou até 1794. Era entreposto comercial de produtos do Oriente, das Ilhas e de África. Um Secretário da Feitoria conhecido foi Damião de Góis, nomeado em 1523 por D. João III. Por esses tempos, a Corte importava para Lisboa, entre outras mercadorias: armas, joalharia, pólvora e cobre. Com o aumento demográfico lusitano naquelas paragens da Europa do Norte, houve necessidade de encontrar um local de culto e sepultamento dos compatriotas: a escolha, no ano de 410, foi a Capela de Santa Cruz.
No alvorecer de quinhentos, o grupo de agentes mercantis lusitanos em Bruges seria já considerado, pois o rei D. Manuel I, por carta de 22 de Abril de 1512, guardada na Torre do Tombo, aprova – lhes, o Regimento da capela da nação portuguesa. Mas, a aristocracia de referência tinha sua última morada em locais de elite; é o caso de João Vasques, falecido em 1487 que seria inumado na Catedral de S. Salvador, que visitamos já no período da tarde. O nobre desempenhara funções de secretário pessoal da duquesa Isabel da Borgonha, filha do nosso rei D. João I, e exercia também actividade de mercância e possuía casa própria (foto), construção gótica, recuperada há anos atrás.
Nos séculos seguintes, há registo de outros artigos exportados para a Flandres. Por exemplo, no ano de 1622 um navio transportou vinho e bacalhau; no regresso, carregou panos, sarjas, holandas. Em 1641, um outro despacho marítimo, enumera exportações de açúcar para Bruges, e um outro de figos e uvas passas, portanto já do Reino do Algarve.
Evocação do Alto Minho
No âmbito de parte do destino turístico escolhido para mini – férias, o nosso trabalho de casa incluiu também investigação sobre referências ao Alto Minho naquele pedaço da actual Bélgica. Assim, ao recordar Jan Van Eyck (1390?-1441), que dizem foi o inventor da pintura a óleo, veio-me á memória conversa e recortes de jornais, do saudoso titular do Paço de Calheiros! O motivo, foi a existência de um pequeno quadro atribuído ao mestre de Bruges, (do tamanho duma cigarreira, asseverou-me certo dia), que existira no seu solar, e depois de cerca de 1972, o ceder a um amigo para avaliação, levou sumiço, ao que parece suriria mais tarde numa conhecida leiloeira londrina…
Outra citação documental, é Filiph Blanqueat, nascido em Bruges, que em 1641 era correspondente de açúcar de Jacques de Patcher, residente em Viana do Castelo entre os anos de 1628 e 1642,. Também, a correspondência diplomática no conturbado período no segundo quartel do século XIX, solicita empenhamento da casa Real dos Países Baixos para 355 expatriados portugueses que escolheram Bruges como destino. Trata-se de uma carta enviada de Londres a 10 de Julho de 1829 pelo Duque de Palmela ao Conde da Carreira (Luiz António de Abreu e Lima), informando do pedido de asilo formulado por tais patrícios.
Como balanço duma permanência por motivos familiares e culturais, deixamos mais umas sugestões, porque o roteiro as justificou: conhecer o parque Mimmewater e seu lago do Amor, a Igreja de Nossa Senhora com sua Pietá ou Madonna de Miguel Ângelo (a única fóra de Itália), a Câmara Municipal e o Tribunal, este já em estilo neogótico tal como a Casa do Rei, na Grand Place em Bruxelas, e deambular pelas ruas, ruelas e azinhagas da urbe medieval que chegaram a nossos dias, e um passeio pelos canais!