ALVES DOS SANTOS NASCEU HÁ 150 ANOS! - FOI UM EMINENTE PEDAGOGO E UM DOS MAIORES VULTOS LIMIANOS
Passa no próximo mês de Outubro precisamente 150 anos sobre a data de nascimento daquele que foi um dos maiores vultos limianos de que há memória – o Dr Augusto Joaquim Alves dos Santos – introdutor do estudo da Psicologia em Portugal. O seu perfil de pedagogo justificaria a atribuição do seu nome a um estabelecimento de ensino em Ponte de Lima, tornando-se seu patrono.
DR. ALVES DOS SANTOS: UM LIMIANO ILUSTRE E DESCONHECIDO
De seu nome completo Augusto Joaquim Alves dos Santos, o nosso ilustre conterrâneo nasceu em 14 de Outubro de 1866, na Freguesia de Cabração, tendo falecido em 17 de janeiro de 1924 na cidade de Coimbra onde viveu e se distinguiu.
Apesar dos esforços desenvolvidos não conseguimos identificar possíveis descendentes ou outros familiares, nomeadamente na Freguesia de que foi natural. Sabemos unicamente que era filho de Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos e Ana Maria Alves Soares.
Não é nosso propósito aqui fazer a sua biografia mas, no caso vertente, não resistimos a enumerar alguns dados biográficos pois o conhecimento do Dr. Alves dos Santos não dispensa apresentação.
Entre os inúmeros cargos que exerceu, o Dr. Alves dos Santos foi Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Ministro do Trabalho e por três vezes eleito deputado pelo círculo de Coimbra entre 1910 e 1921, chegando inclusivamente a presidir à Câmara dos Deputados. Foi ainda Diretor da Biblioteca da Universidade de Coimbra e, um ano após a implantação da República, Chefe do Gabinete do Presidente do Governo provisório.
Foi um eminente teólogo, tendo frequentado o curso de Teologia do Seminário de Braga e recebido ordens sacras. Comendador da Ordem de Santiago em 1904, lecionou Grego e Hebraico no Liceu de Coimbra, Pedagogia, Psicologia e Psicologia Infantil nomeadamente na Escola Normal Superior daquela cidade e, entre inúmeras cadeiras, Pedagogia, Psicologia e Lógica, História da Filosofia e Psicologia Experimental na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
A ele se deveu a instalação do Laboratório de Psicologia daquela Faculdade, no qual também desempenhou as funções de Diretor.
A sua obra literária é igualmente vasta, sendo de destacar os seguintes trabalhos:
- “Concordismo e Idealismo”, publicado em 1900;
- “O Problema da origem da família e do matrimónio em face da Bíblia e da Sociologia”, editado em 1901;
- “A nossa escola primária – o que tem sido e o que deve ser”, em 1910;
- “O ensino primário em Portugal, nas suas relações com a história geral da nação”, em 1913;
- “Elementos de filosofia científica”, em 1918;
- “Portugal e a Grande Guerra” (duas conferências), Coimbra, 1913;
- “Psicologia experimental e Pedagogia”, Coimbra, 1923;
O Dr. Alves dos Santos foi militante do Partido Republicano Nacionalista desde que se extinguira o Partido Republicano Evolucionista do Dr. António José de Almeida.
Sobre o seu perfil político, o periódico “O Despertar” de Coimbra, na sua edição de 19 de janeiro de 1924 afirmava:
“Foi um orador fluente. Tanto da tribuna sagrada como em comícios públicos e mais tarde no parlamento, o sr. Dr. Alves dos Santos era sempre ouvido com o mais vivo interesse.
Conhecedor a fundo da língua, o saudoso extinto era fecundo em maravilhosas imagens, chegando, por vezes, a empolgar a assistência, com o seu gesto largo e manifesta sinceridade que exprimia às suas palavras.
Os seus adversários políticos, nomeadamente, eram os primeiros a reconhecer-lhe o mais formoso talento”.
Ainda segundo o mesmo periódico, o Dr. Alves dos Santos era uma figura “essencialmente popular, sem escusados preconceitos”, “estimadíssimo em Coimbra” e “um amigo devotado das crianças, às quais dedicava os mais vivos afectos”, razão pela qual lhes consagrou muitos dos seus estudos.
O Dr. Alves dos Santos residia no número catorze da rua Alexandre Herculano, na cidade de Coimbra, e faleceu na sequência de “uma horrorosa enfermidade para a qual a sciencia médica é ainda impotente”, conforme noticiava a “Gazeta de Coimbra”, no dia do seu falecimento.
No seu funeral estiveram representadas a Universidade de Coimbra, o Governador Civil do Distrito, os ministros do Interior e do Trabalho, a Câmara Municipal de Coimbra e a Misericórdia local entre numerosas outras entidades. Isto apesar da vontade manifesta do Dr. Alves dos Santos na realização de uma cerimónia fúnebre discreta.
Na Câmara Municipal e no Centro Nacionalista foi içada a bandeira nacional a meia haste e na Câmara dos Deputados foi aprovado um voto de sentimento.
Os restos mortais do Dr. Alves dos Santos encontram-se depositados no Cemitério da Conchada, em Coimbra, mais concretamente na sepultura nº. 16 do leirão nº. 23, conforme notícia publicada em “O Despertar” de 19 de janeiro de 1924.
O seu nome não consta da toponímia da cidade de Coimbra nem do Concelho de Ponte de Lima.
Contudo, como dizia o periódico acima citado na referida edição, o Dr. Alves dos Santos foi um “patriota dos mais eminentes, foi sempre um grande liberal, perdendo o país no saudoso finado um dos seus filhos mais ilustres”.
- Carlos Gomes, “O Anunciador das Feiras Novas”, nº X, Ponte de Lima, 1993
O Dr. Alves dos Santos (segundo a contar da direita) foi Ministro do Trabalho no governo do Dr. Cunha Leal
ALVES DOS SANTOS: PIONEIRO DO ESTUDO DA PSICOLOGIA EM PORTUGAL
O Dr. Alves dos Santos, um dos mais ilustres filhos de Ponte de Lima, foi o pioneiro do estudo e investigação da psicologia no nosso país, continuando a sua obra a ser estudada pelos mais notáveis académicos decorridos mais de oito décadas desde a data do seu desaparecimento. A obra que publicou em 1923, “Psicologia Experimental e Pedologia”, é considerada aliás um marco“na história da psicologia em Portugal pelo seu pioneirismo e importância histórica”.
Num dos trabalhos publicados na Revista Portuguesa de Pedagogia a propósito da criação do laboratório de psicologia experimental da Universidade de Coimbra, J. F. Gomes inclui alguns dados biográficos que transcrevemos: “Alves dos Santos nasceu em Cabração, Ponte de Lima, em 14 de Outubro de 1866 e faleceu em 17 de Janeiro de 1924, com 58 anos incompletos. Doutorou-se na Faculdade de Teologia de Braga em 1890. Com a extinção da Faculdade de Teologia, Alves dos Santos é colocado na Faculdade de Letras de Coimbra, sendo nomeado professor de pedagogia por Decreto de 9 de Dezembro de 1911. (…) De Agosto até finais de Novembro de 1912 efectua uma visita às Universidades de Genebra e Paris, tendo adquirido livros e equipamento laboratorial que lhe permitiram fundar e organizar no regresso a Coimbra o laboratório de psicologia experimental, tendo o funcionamento deste sido iniciado em meados de Fevereiro de 1913”. Este foi, pois, o primeiro laboratório de psicologia experimental instalado em Portugal.
Em 1992, Professor Dr. Amâncio da Costa Pinto, actualmente professor catedrático a exercer docência na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, publica na revista Psychologica um artigo científico sob o título “Estudos de Memória Humana na década de 1920 na Universidade de Coimbra”, no qual analisa “o modo como a memória humana foi abordada a nível teórico e a nível experimental”, fazendo incidir a sua reflexão no capítulo “Mnemometria” da obra “Psicologia Experimental e Pedologia” do Dr. Alves dos Santos e também na tese de doutoramento “ O problema da recognição: Estudo psicológico teórico-experimental”, do Dr. Sílvio de Lima, publicada em 1928. A parte do artigo dedicada ao estudo da obra do Dr. Alves dos Santos aborda os seguintes temas: A “Noção de memória”, a “Classificação das memórias”, “Mecanismos e operações de memória” e a “Descrição dos dois estudos experimentais realizados”.
Afirma o articulista que “…este capítulo e os restantes do livro, além de terem por objectivo promover as investigações do Laboratório e os trabalhos dos alunos, constituem um excelente manual de formação dos futuros investigadores em psicologia experimental. Se o livro não foi usado como tal durante as décadas seguintes, não foi por falta de mérito e valor pedagógico nele contido”. E acrescenta: “Alves dos Santos apresenta ainda uma concepção inovadora de memória humana, ao afirmar que é precisamente a memória que torna “possível e inteligível a unidade e a identidade do eu”. Só muitas décadas mais tarde, nomeadamente nos anos 70 e 80, é que o estudo da memória humana veio a ter o protagonismo por ele antecipado. Acrescente-se a finalizar a elaboração temerosa, porque esboçada em nota de rodapé, mas valiosa e consequente, de uma classificação das memórias humanas, tema que voltou a interessar os investigadores nestes últimos 20 anos”.
A título de curiosidade e sem pretender reproduzir integralmente o artigo referido, transcrevemos uma breve passagem a respeito da “Classificação das memórias” que é feita: “Alves dos Santos rejeita a noção de que a memória é uma mera faculdade para reter ideias. A memória enquanto faculdade é “um erro”, já que não há uma memória, mas “memórias ou um feixe de memórias”, e estas em regra são muito desiguais, tanto em qualidade, como em quantidade…”. A causa desta diversidade resulta “da estrutura do órgão, que as elabora, e das circunstâncias da sua produção”. Por estrutura do órgão Alves dos Santos refere-se provavelmente à complexidade e plasticidade do cérebro, enquanto que as circunstâncias de produção teriam a ver com “a riqueza das respectivas associações”.
Alves dos Santos propõe dois sistemas de classificação de memórias. O primeiro sistema de memória é desenvolvido no corpo do texto e classifica a função mnésica em inorgânica, orgânica e psíquica. É uma classificação proposta na sequência talvez dos estudos de Rbot.
A memória inorgânica seria uma expressão da energia físico-química.
A memória orgânica, de ordem biológica, seria privativa de seres dotados de sistema nervoso. As modificações neste tipo de memória seriam susceptíveis de persistência, mesmo após ter desaparecido o estímulo que as desencadeou e de reprodução activa destas através da evocação e da identificação.
Alves dos Santos não define nem esclarece o mecanismo destas operações, principalmente as respeitantes à reprodução das impressões e modificações conservadas. Acrescenta no entanto uma explicação fisiológica para o seu bom funcionamento ao referir que a conservação depende da plasticidade do cérebro proporcionada pela nutrição e que a reprodução seria dependente do estado do aparelho vascular.
(…) Para justificar esta diversidade de memórias, Alves dos Santos adverte: “Não é de admirar, pois que “memórias” cada um tem as suas; e, todas juntas, são tantas, como os cabelos da cabeça”.
Relativamente ao Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade de Coimbra, fundado em 1912 pelo Dr. Alves dos Santos, os seus aparelhos e outros instrumentos então utilizados encontram-se actualmente à guarda do actual Laboratório de Psicologia Experimental existente na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, constituindo um núcleo museológico devidamente catalogado e descrito num volume dedicado ao laboratório e ao seu fundador. De referir ainda que, apesar do ensino da psicologia ter-se iniciado naquela Universidade em 1911, apenas no ano lectivo de 1976/1977 teve início o Curso Superior de Psicologia inserida na Faculdade de Letras para em 1980 ser finalmente criada a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.
Não vamos enumerar aqui a sua vasta obra literária e científica como também não nos alongaremos na sua descrição biográfica porquanto já o fizemos em edições anteriores da revista Anunciador das Feiras Novas, bastando para tal os interessados seguirem as referências bibliográficas do presente artigo. Lembramos apenas, a quantos estejam porventura interessados em conhecer a sua obra, que podem consultar na Biblioteca Municipal de Ponte de Lima o seu livro “Elementos de Filosofia Sciêntífica”, constituindo este o único título disponível neste local. Contudo, na Biblioteca Nacional, em Lisboa, encontram-se depositados além daquele, ainda os seguintes livros do Dr. Alves dos Santos: “Um plano de reorganização do ensino público: projecto de lei, para apresentar à Câmara dos Senhores Deputados”, “O problema da origem da família e do património em face da Bíblia e da sociologia”, “Orações fúnebres”, “Elogio fúnebre do Conselheiro de Estado, Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, proferido nas exéquias… 13 de Novembro de 1907”, “Estatística geral da circumscripção escolar de Coimbra, relativa ao anno de 1903-1904” e “O ensino primário em Portugal: nas suas relações com a história geral da nação”.
A propósito do Doutor António de Pádua, outro médico ilustre que nasceu no concelho limiano, escrevia Francisco de Magalhães, no Elucidário Regionalista de Ponte de Lima, o seguinte: “Honrada e, ainda mais, envaidecida sentia-se, também, Ponte de Lima. É que sucedeu, e no decurso de uma porção de anos, três filhos seus – desta vila pequenina, sempre, porém, farta de glórias – pertencerem, simultaneamente, ao corpo docente da Universidade de Coimbra, a saber: Doutor Alfredo da Rocha Peixoto, da Faculdade de Matemática; Doutor Augusto Joaquim Alves dos Santos, da Faculdade de Teologia; e Doutor António de Pádua, da Faculdade de Medicina.
Qual a cidade de província, populosa mesmo – e intencionalmente saio dos limites duma vila – que se pudesse exprimir, naquele instante, sob este aspecto, como Ponte de Lima ?”
Não obstante, como disse o cronista, Ponte de Lima ter-se sentido “honrada e, ainda mais, envaidecida”, o Dr. Alves dos Santos permaneceu no desconhecimento da generalidade dos seus conterrâneos até muito recentemente, tendo cabido à revista “Anunciador das Feiras Novas” o mérito de o ter dado a conhecer e divulgar a sua obra. Ainda assim, uma sugestão feita à Câmara Municipal de Ponte de Lima e por esta unanimemente aceite, com vista à realização de uma homenagem por ocasião da passagem dos setenta e cinco anos sobre a data do seu falecimento, acabaria por cair no esquecimento em virtude da mudança de vereação entretanto verificada. Ficámo-nos pela atribuição do seu nome a uma artéria da vila quando foi necessário escolher novos topónimos para arruamentos entretanto construídos.
Contudo, a memória do Dr. Augusto Joaquim Alves dos Santos merecia mais porquanto constituiu uma das figuras mais notáveis do concelho de Ponte de Lima. A sua brilhante carreira de pedagogo, cientista e escritor bem justificaria a sua escolha para patrono de um estabelecimento de ensino no concelho de Ponte de Lima, proposta que pode ser apresentada pela Câmara Municipal ao abrigo do Decreto-Lei nº. 314/97, de 15 de Novembro. Assim exista vontade e Ponte de Lima sentir-se-á mais “honrada e, ainda mais, envaidecida”!
Carlos Gomes. O Anunciador das Feiras Novas, nº XXIII, Ponte de Lima, 2006
A foto, publicada na revista “Ilustração Portugueza” de 28 de janeiro de 1922, mostra a visita do Dr. Alves dos Santos, na qualidade de Ministro do Trabalho, ao asilo D. Maria Pia
Transcrição:
“Aos vinte e hum dias do mês de outubro do anno de mil e oito centos sasenta e seis n’esta parochial Igreja de Sancta Maria da Cabração, concelho de Ponte do Lima Diocese de Braga Primaz Baptizei Solenemente hum indevido do sexo masculino a quem dei o nome de Augusto Joaquim Santos que nasceo nesta freguesia no dia quatorze de outubro pelas quatro horas da manha do dito mês e anno folho legitimo de Manoel Joaquim Rodrigues dos Santos e Anna Maria Alves Soares natural da freguesia de Sam João da Rebeira e ele natural desta freguesia recebidos (…) de Ponte de Lima mas parochianos Proprietarios e moradores no Lugar da Igreja desta freguesia. Nepto Paterno de Antonio Jose Rodrigues dos Santos já defunto e Anna Joaquina Dantas proprietários e moradores no Lugar de Igreja que he desta freguesia e ella hoje residente na freguesia da Labruje deste concelho Materno de Antonio Jose Alves, Soares digo de Antonio Jose Alves e Mariana Luisa Soares da freguesia de Sam João da Ribeira Lugar de Crasto proprietários e forão Padrinhos o Reverendo Manoel Joaquim Soares thio do Baptizado e Maria Rosa Alves, solteira thia do Baptizado ambos da freguesia de Sam João da Rebeira Lugar de Crasto os quais todos sei serem os próprios. E para constar labrei em duplicado o prezente assento que depois de lido e conferido perante os Padrinhos comigo assinarão Era est supra.
os Padrinhos Manoel Joaquim Soares
Maria Rosa Alves
O Parocho Antonio Raymundo da Cunha Ferreira”
(Arquivo Distrital de Viana do Castelo. Fundo Paroquial de Ponte de Lima – Cabração. Livro de baptismos. Datas extremas: 1855 – 1890. Fls. 33 Cota 3.13.1.32)