BARQUENSE ANTÓNIO PEREIRA LACERDA – DEPUTADO À ASSEMBLEIA NACIONAL – COMENTOU NO PARLAMENTO A CRIAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA PENEDA-GERÊS
António Pereira de Meireles da Rocha Lacerda de seu nome completo, nasceu em Ponte da Barca em 2 de Fevereiro de 1917.
Era licenciado em Agronomia e, além de ter sido Administrador de empresas, serviu o Estado como Técnico do Quadro da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e Director do Posto Agrário de Braga. Participou em várias comissões e visitas de estudo a Espanha, Itália, Inglaterra e EUA.
Foi Presidente da Juventude Católica para a Arquidiocese de Braga (1945-1951), Presidente da Comissão Concelhia da União Nacional de Ponte da Barca (1969) e Vogal da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (1969).
Foi eleito deputado à Assembleia Nacional na VIII Legislatura (1961-1965) pelo Círculo de Braga e na X Legislatura (1969-1973) pelo Círculo de Viana do Castelo, integrando as comissões de Economia.
O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente: A minha intervenção no debate da presente proposta de lei, no ano em que, como já foi sublinhado, se comemora o Ano Europeu, da Conservação da Natureza, nada virá ajuntar à economia, do problema. Justifica-se somente pelo desejo de fazer alguns ligeiros comentários à referida proposta de lei, que, na sua expressão prática, vai traduzir-se pela criação do primeiro parque nacional português - o parque da Peneda-Gerês.
E a maior parte deste conjunto esplêndido situa-se no distrito de Viana do Castelo, junto a fronteira da vizinha Galiza, abrangendo as serras magníficas da Peneda, do Soajo e Amarela, que separa e une o meu querido concelho de Ponte da Barca ao vizinho de Terras de Bouro, prolongando-se pelo grandioso Geres.
E nem deveria, talvez, um homem da Ribeira Lima usar agora da palavra, pois foi um filho ilustre da nossa região, o meu caro condiscípulo Prof. Eugênio de Castro Caldas, que relatou o parecer da Câmara Corporativa sobre a matéria. E com o seu alto e requintado espírito, com o conhecimento perfeito da região, fê-lo de maneira tilo brilhante, tão profunda, tão bela, até, na forma como traduz os seus pensamentos, que nada mais haveria a dizer. Excepto talvez esta palavra de merecido louvor, a única que pode justificar esta simples intervenção.
Mas, já que a disse, eu queria que ela fosse a tradução dos meus sentimentos de admiração e estima, embora sem o brilho que a pessoa a que se destina merece, quero faze-la acompanhar de mais duas ou três singelas e simples palavras, que não terão mais mérito do que chamar à atenção para aspectos particulares ligados ti futura implantação de parques nacionais em zonas serranas do Pais.
A primeira será de que nos parece indispensável um enorme e profundo esforço de mentalizarão das populações para que a protecção a Natureza, em que os povos actuais se inserem, lhes traga o benefício, a promoção humana e social que nós desejamos e a que eles têm direito. O ilustre relator, no & 5.º do seu parecer, pôs acentuadamente p dedo na ferida e teme, como eu, que venha a ser dolorosa para muitos a adaptação às novas condições de vida.
A passagem de homens livres da montanha, habituados ao contacto com uma natureza rude que forja personalidades de rija têmpera, a prestadores de serviços a pessoas em descanso, aos cientistas, aos cultores do belo selvagem que se pretendem embrenhar e contemplar os magníficos panoramas que as nossas serras oferecem, será forçosamente dolorosa e difícil. Aceitá-lo-ão? Terão capacidade para a compreender? Com todas as dúvidas que tenho a esse respeito, e que teimam em persistir, creio, contudo, ser possível, e talvez em melhores condições do que possa parecer. Alas há-de depender esse processo de reconversão na harmonia da sua realização, dos homens que a ele de dedicarem.
E a mentalização destes será de capital importância, e para ela desde- já me permito chamar- a atenção do Governo, como condição, fundamental do processo.
A protecção da Natureza, a criação de amplos espaços destinados à libertação do homem da vida complexa a que está sujeito e que o acorrenta e esmago, a erosão das serras e dos montes, não devem justificar, nem produzir, uma forte erosão nas almas. E recordo, sem precisar palavras nem ideias, uma conferência luminosa do professor do Instituto Superior de Agronomia e Deputado numa das primeiras Legislaturas António Sousa da Câmara.
Mas dos homens dependerá que. isso não se verifique para alam daquele mínimo que é possível ser exigido, quando se procura trazer os povos da serra, respeitando-os, ao contacto com novas formas de convívio à relações sociais.
E neste campo tudo poderá ser feito com um aberto espirito de compreensão, condescendência, autoridade sem autoritarismos. O receio é dos mandões, que, em- nome da autoridade ou da liberdade, se arvoram em opressores e que, qual, "vilão com a vara na mão", são causa de cantos aborrecimentos e geradores de escusados conflitos.
Mas esta palavra não quer ser mais do que um brevíssimo comentário sugerido pela forma de concretização da proposta de lei, nem invalidar o mérito e o interesse que nela se contêm. Só se pretende que os regulamentos a que vai dar origem contenham disposições de aplicação humana que não permitam abusos. Em primeiro lugar quanto ao homem, a quem devem servir.
E o homem poderá obter e concretizar, com certeza, muitos vantagens, habituando-se e integrando-se na civilização dos tempos de descanso - como elemento actuante, ou espectador interessado. E nessas vantagens o homem da serra poderá dispor de um papel muito activo, optando pela integração em nova forma de vida.
E ela, num aspecto, está expressa na forma de participação - em sociedades de economia mista a que os actuais proprietários da região adiram. Confesso que não estou a ver bem como nem a julgar a maior parte daqueles magníficos exemplares dos bons varões de antanho, que conheço e que deambulam pelas serranias grandiosas refractários a obrigações e tributos, capazes de ta cometimento! Mas será possível, pois as surpresas surgem onde menos se calcula, e confesso o meu pecado de feitio ignorância neste assunto. Mas volto aqui ao mesmo ponto que já aflorei. A mentalização dos homens da serra será u primeiro passo a dar.
O ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa aponta as grandes opções que se apresentam para aproveitamento dos parques nacionais e diz muito, avisadamente, que pode suceder que empresas exteriores nacionais e estrangeiros bem podem montar em seu exclusive provei-to mais um fabuloso negócio sob o rótulo de "turismo".
Entendo que é necessário rodear o assunto dos maiores cautelas, de todas as cautelas possíveis, puni que isto não suceda.
Suponho que ninguém pensará, mesmo sendo muito dado às fantasias e à contemplação das virtudes escondidas que muitos homens da serra, desconhecedores completos das potencialidades de um parque nacional de caça e pesca, adiram de súbito a um empreendimento dessa natureza. Entreguem as suas terras, a SUA fazenda, a sua capacidade de prestação de trabalho e pequenos serviços.
Mas isto talvez seja possível, passados uns anos de experiência, de realizações concretas, de avaliação dos resultados. Depois de admirarem com outros olhos, com os olhos dos outros, que até talvez não entendam na fala e nas perspectivas, o que será isso de parque nacional em que até se pretende que nem o ruído do automóvel quebre os grandes silêncios
Assim, a solução que for concebida e realizada terá de atender a natural, naturalíssima desconfiança inicial, admitindo que no decorrer dos anos os povos das regiões abrangidas pelo parque venham a ter possibilidade de participar lucrativamente nesse "fabuloso negócio". De outra forma não. Não estará certo condenar de início, por desconhecimento e falta de confiança, homens que não têm culpa de não terem nascido esclarecidos a não usufruírem vantagens de potencialidades por eles não sonhadas e só de poucos conhecidas. E à gente da serra, que não está habituada às dádivas generosas e tem suas razões
para desconfiar, deve ser dada segura possibilidade de amplamente vir a participar nessa maravilhosa dádiva da Providência, que se vai entregar, generosa meu te, aos olhos c AOS prazeres de tantos e tantos que, cansados de praticar o bem e o mal, se querem refugiar do mundo ou do pesadelo em que vivem.
Portanto, o primeiro parque nacional português, depois de aprovada a presente proposta de lei, será criado nas serranias de Entre Douro e Minho, fronteira de Espanha.
Desde as magníficas alturas e maciços de Castro Laboreiro de Peneda, à vetusta e bela vila de Soajo passando pelo lindo Castelo roqueiro de Lindoso e mata do Cabril, ainda no concelho de Ponte da Barca, ao Geres altaneiro, cheio de encanto, majestade das nossas serras minhotas é impressionante e merecedora de consciente admiração.
Já assim é de longe, virá a sê-lo de mais perto e em melhores condições..
Os serviços florestais têm, desde há muito, realizado obra de grande valorização naquelas paragens, não só criando directamente riqueza pelas plantações que fazem e para que a região tem magnífica aptidão, como pelas comunicações que rasgam e implantam, serviços que prestam, possibilidades que abrem. etc. E quero prestar a minha sincera homenagem aos colegas silvicultores, ao seu entusiasmo e dedicação ao bem comum.
Provocaram modificações na vida e na mentalidade, que hoje são bem aceites, e foram promotoras de novas perspectivas para muitos que. de outra forma. não seriam criadores da riquezas materiais e morais ali, ou por esse mundo além.
Têm mais ou menos por todo esse vasto conjunto que virá a ser o parque nacional, aberto esteadas e caminhos que permitem admirar, extasiando-se as gentes, a natureza brava e os recantos amenos, onde os homens vivem o são felizes longe do bulício e do trepidar das cidades. É a que tantos regressam, passados anos de árduo labor, escravizados às máquinas e aos homens, elos incaracterísticos da cidade que tudo deles ignora e a que, à maior parte, marca sem remissão.
Mas muitos salvam-se, e de facto, através das vias e das oportunidades que os servidos florestais abriram, mantêm determinados contactos com a civilização.
Essas estradas e caminhos, na parte situada no distrito de Viana, vão entroncar com as estradas que ligam a Monção Melgaço do lado norte e- à estrada que. de Arcos de Valdevez sobe até Soajo e daqui inflecte para o Lindoso y da que de Ponte da Barca segue o cursa do rio Lima o Lethes do esquecimento, belo, acariciante cheio de suavidade, ou terrível nas alturas de cheia, e vai até a fronteira da Madalena, na freguesia de Lindoso, fronteira essa hoje encerrada.
Temos esperança que, em breve, a corrente que há anos ali foi colocada, fechando-a, seja removida. E velha aspiração dos povos da região dos concelhos de Ponte da Barca e de Arcos e de Ponte de Lima, pois é a mais curta, melhor e mais rápida comunicação dos nossos vizinhos galegos de Orense e Lugo e daqueles que os visitam até ao nosso litoral, bem como é a melhor ligação para nós, Portugueses, quando os queremos visitar, ou ir de longada ao interior de Espanha, ou por essa Europa além. O intercâmbio de cada vez é maior, a vizinhança quer cimentar-se melhor; as boas relações sempre estiveram no coração dos Limianos de um lado e de outro, da fronteira.
Foi um rude golpe quando nos anos 30 a fronteira foi encerrada. E as razões, se é que as houve, nem teriam significado. Depois veio a guerra de Espanha com o seu cortejo de dificuldades. Hoje elas não existem.
O pequeno movimento de então será hoje enorme, e mais se avolumará quando o parque nacional for uma realidade, pois, além dos Espanhóis, haverá todos os estrangeiros que, acorrendo a Espanha, serão atraídos pelo turismo de montanha que se lhes irá proporcionar.
As magníficas condições do litoral minhoto, ímpar nas suas belezas mareiras, junta-se o encanto da doce Ribeira Lima, o esplendor e majestade das serras do interior.
Tudo isto os Limianos pretendem oferecer aos irmãos que nos entregam as águas brandos do nosso e seu Lima. através da fronteira do Lindoso, a que só falta, retirar a corrente. Corrente que não encerra a nossa vontade, nem a dos nossos vizinhos, que sabemos estarem também empenhados no mesmo propósito.
Que a criação do parque nacional da Peneda-Gerês coincida com a retirada da corrente da fronteira do Lindoso são os meus votos que com a minha concordância na generalidade, dou à proposta de lei.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.