EXTINÇÃO DOS GOVERNOS CIVIS É INCONSTITUCIONAL
Carlos Gomes
In jornal “NOVO PANORAMA”, nº 85, de 27 de dezembro de 2012
A criação dos distritos no nosso país remonta ao século XIX, tendo sido instituídos por lei em 25 de abril de 1835, ao mesmo tempo que eram suprimidas as antigas províncias e comarcas. Para cada distrito, nomeava o governo um administrador-geral que, a partir de 1840 passou a designar-se por governador civil, denominação que permaneceu até aos nossos dias.
A existência de um governador civil como um elemento interlocutor junto de um conjunto de municípios abrangidos por uma área de circunscrição distrital permitiu de alguma forma, aproximar o governo central das populações, encurtando a distância sempre assinalada entre o Terreiro do Paço e o país profundo, frequentemente ignorado nos corredores do poder. Ao mesmo tempo que se descentralizavam os serviços, beneficiavam os municípios da proximidade de um representante do governo do país com quem podiam reunir e expor os problemas e anseios locais.
Com o decorrer do tempo, os diferentes ministérios foram multiplicando o número de secretarias e direções regionais, abrangendo todo o território nacional e aumentando por vezes de forma desmesurada a quantidade de funcionários, fenómeno frequentemente mais motivado pela necessidade de satisfação de clientelas políticas do que resposta a reais necessidades da administração pública. A título de exemplo, o “Diário da Câmara dos Deputados” dá-nos uma descrição muito elucidativa em como a I República foi pródiga ao integrar numerosos “revolucionários civis” – leia-se carbonários! – no funcionalismo público como mera compensação pelos serviços prestados à causa revolucionária…
Em vez de contribuir para uma maior descentralização administrativa, a criação de direções regionais dos diferentes ministérios apenas correspondeu um gradual decréscimo da importância do cargo de governador civil, vendo as suas competências restringidas a funções de natureza policial relacionadas com a manutenção da ordem pública e emissão de passaportes, passando os governos civis a funcionar como uma espécie de direções regionais do Ministério da Administração Interna.
Entretanto, o regime político saído do golpe militar de 25 de abril de 1974 aprovou a Constituição da República Portuguesa em 1976 que estabelece a criação de “regiões administrativas”, definidas no seu artigo 236º como autarquias locais formadas por uma “assembleia regional” e uma “junta regional”. Porém, nas suas “Disposições finais e transitórias”, determina o artigo 291º, alínea 1 que “Enquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido”.
Apesar de consagrada na Constituição aprovada há mais de 36 anos, as chamadas “regiões administrativas” não foram ainda instituídas em concreto – e não se prevê que o venham a ser em tempo algum! – devendo por conseguinte serem mantidos os governos civis.
A Constituição estabelece ainda que “Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios” (Artigo 291º, alínea 2) e “Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito” (Artigo 291º, alínea 3). Não obstante, os próprios autarcas preferiram frequentes vezes deslocarem-se a Lisboa e contatarem diretamente os próprios ministros, exercendo dessa forma a sua influência perante a atitude impávida de muitos governadores civis.
Faltando-lhe, porém, a coragem política de levar por diante o processo de regionalização, o atual governo optou por não nomear os titulares do respetivo cargo, criando desse modo um vazio institucional na administração pública, com sérias consequências nomeadamente ao nível da coordenação da proteção civil a nível regional. Alegam algumas mentes mais criativas que as funções dos governadores civis podem facilmente ser desempenhadas pelos gabinetes do cidadão que existem nas mais diversas localidades ou substituídas pelo correio eletrónico, sem contudo nada referirem relativamente à excessiva quantidade de secretarias, departamentos e direções regionais que proliferam na administração central.
Atualmente, encontramo-nos perante a situação algo insólita do país não dispor de regiões administrativas nem de governos civis, extintos à revelia da Constituição da República Portuguesa pela forma hábil da não nomeação dos seus titulares, sem que os mais diversos órgãos de soberania como o Presidente da República, a Assembleia da República e o Tribunal Constitucional se pronunciem a esse respeito, o que nos leva a questionar a existência de fato de alguma constituição política atualmente em vigor!
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