COSTUMES PORTUGUESES – O MERCADO SEMANAL DE BARCELLOS
Publicou a revista Ilustração Portugueza, na sua edição de 6 de março de 1911, um interessante artigo acerca do mercado de Barcelos, fazendo-nos um retrato social da nossa região à época. Transcrevemos o referido artigo respeitando a grafia original.
Zé povinho
Ahi por maio adeante, quando as rosas começam a desabrochar n’uma bacchanal de côres vivas e ao depois lá para o S. Miguel – após as colheitas – são os mercados de mão cheia.
O espirito sedento de emoções agradáveis deve abalar até estas paragens n’uma d’essas suas quadras.
A feira proporcionar-lhe-ha um quadro d’uma mise-en-scène grandiosa, surprehendente de motivos picturaes.
Almas enamoradas do Bello, ponho-vos ante a vossa retina meia dúzia de bem acabados instantâneos que esse artista rafiné, Augusto Soucasaux, a quando da sua estada em solo pátrio, fixou, para, no Brazil, rever, nas horas de apoquentadora nostalgia, a beleza, a graça dos muitos aspectos e costumes da sua linda terra. Leitor amigo, como seria chic, ideal, um álbum minhoto salpicado com trechos de ferias e feiras.
As romarias de S. Torquato, da Agonia, de S. João e das Cruzes, em Barcellos, dariam a nota typica, hilariante, da vida portugueza.
Os mercados com as suas tendas de comes e bebes; barracas e estabelecimentos ambulantes.
O de Vianna, exposição animada de lindas moçoilas, – d’aquellas que sabem amar, – das freguesias d’Affife, Areosa e Caroço, na sua artística decoração d’esse vestuário exuberante de alacridade; o da beira-mar, com o característico chapeu encimado por um minúsculo espelho; a de Barcellos, mignon, de seios fartos.
O tasco ambulante
Umas brancas como retalhos do luar de janeiro; outras morenas d’olhos buliçosos.
Nesgas de paisagens que se desenrolam em perspectivas encantadoras; estradas zigue-zagueantes, de curvas caprichosas e ermidas a acenarem no cumo dos montes.
Rios: - o Minho, o Lima e o Cávado a espreguiçarem-se enlanguecedoramente.
Que de seiva maravilhos se estende desde Melgaço, no alto Minho, até ao Algarve, manancial, de tradições mouriscas. E a variedade de figuras nossas: o Zé Povinho prototypo do não te rales, que a vida são dois dias, creado e vulgarizado pelo lápis assombroso de Raphael Bordallo Pinheiro.
O sr. abbade, alma sedenta de esperanças… terrestres; e o conversado, arrimado ao varapau, de cravo sanguíneo preso na parte superior do pavilhão auricular.
Comprando panno de linho
A influencia do meio citadino vae desalojando por muitas aldeias os costumes. A facilidade de comunicações veiu a integrar a corrupção no trajo hodierno.
A jaleca azul caiu em desuso e hoje raros olhos humanos terão o enlevo de a admirar.
O varapau, a arma com que os enamorados se batiam pela sua bella, tende a desaparecer.
Cede, por sua vez, o logar á bengala tosca, grosseirona.
A coroça, espécie de liberti, foi exautorada pela corrente avassaladora da civilização. Era feita de junquilhos dos ribeiros e preservava o lavrador da chuva ou da geada.
Tecedeira comprando um pente para o tear
O guarda-sol, enorme, de panno vermelho, de barba de baleia, empunhado por mãos robustas, sumiu-se na voraz dos tempos.
Já as desenvoltas moçoilas se pavoneiam com blusas.
Vão deixando o collete de duraque de ramagens berrantes; com os seus rigões; a saia da teia, preta ou cinzenta. O avental pequeno, no geral, d’um verde riso, é avis rara…
A vendedeira de pão de broa
Nem pouparam o lencinho, pendente da cinta, a cada ponta com corações e quadras em que a rima e a orthographia levavam tratos de polé.
In illo tempore, nos dias de arraial, ou de bodas, as moçoilas mais fidalgas traziam chinelas de panno forradas a pelica branca, estando sob aberta, d’alvura inpeccavel.
Como é linda no seu costume a mulher portugueza.
A graça, genuinamente lusitana, a vida alegre, de romeiros e feirantes, reflecte-se no seu trajo, de côres garridas, luminosas.
Barcellos, novembro, 1910
Domingos Ferreira
Namoro já meio citadino - pelo que diz respeito a "elle"