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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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PRIMEIRO EMPARCELAMENTO RURAL REALIZOU-SE HÁ 50 ANOS EM PONTE DE LIMA

 Há meio século, realizou-se no vale de Estorãos, no Concelho de Ponte de Lima, o primeiro emparcelamento da propriedade rústica em Portugal, incluindo a implementação do regadio, processo que envolveu as populações rurais das freguesias de Estorãos, Moreira do Lima e S. Pedro de Arcos.

Na ocasião, o tema foi debatido na Assembleia Nacional. Pelo seu notável interesse, transcreve-se do Diário das Sessões as intervenções realizadas a propósito por vários deputados, na sessão de 12 de Janeiro de 1962, a qual foi presidida por Mário de Figueiredo, mantendo-se a grafia original.

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Foto:http://wwwquotidiano.blogspot.com/

"O Sr. Reis Faria: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao falar nesta Assembleia pela primeira vez, vão para V. Exa., Sr. Presidente, as minhas primeiras palavras, palavras de admiração, de respeito, de muita consideração.

Desde muito novo me habituei a ouvir falar de V. Exa, sempre no plano dos homens excepcionais, das inteligências privilegiadas que conduziam o País e que, quer na Universidade de Coimbra, como ilustre professor, quer nos Ministérios, onde V. Exa. deixou a marca da sua inteligência e do seu trabalho, quer nesta Assembleia, onde através de tantas legislaturas a opinião de V. Exa. foi sempre acatada, estimada e onde por vezes as circunstâncias mais delicadas ou mais difíceis foram dominadas por V. Exa. com utilidade, fulgor e brilho invulgares, sempre se afirmou V. Exa. um dos melhores valores positivos que, vindos desde a primeira hora, construíram o Portugal de hoje.

Faltam-me qualidades e mérito para que o meu elogio algum valor tenha para V. Exa, mas a sinceridade da sua expressão e o desejo que tinha de poder dirigir a V. Exa. Esta minha saudação emprestam-lhe um valor que as palavras não alcançam.

Espero que no decorrer desta legislatura, a que os meus conterrâneos me trouxeram e em que procurarei trabalhar para de certo modo corresponder ao mandato que me confiaram, possa afirmar a V. Exa. todo o meu desejo da maior e mais leal colaboração.

A todos os meus colegas nesta Assembleia desejo apresentar igualmente as minhas saudações da mais franca e leal camaradagem.

Sr. Presidente: quase mal parece que venha pronunciar-me sobre assunto que tão arredio está da minha formação profissional e para o qual não me sinto determinado senão pelo mandato que me foi conferido e que me envolveu num conjunto de circunstâncias tais que me levaram a dizer algumas palavras também sobre a proposta de lei do emparcelamento da propriedade rústica.

E precisamente em Viana do Castelo, nas freguesias de Estorãos, Moreira de Lima e S. Pedro de Arcos, do concelho de Ponte de Lima, que está em estudo e em vias de realização o primeiro emparcelamento da propriedade rústica efectuado no País.

Ligado no distrito como estou, não podia, pois, por esse motivo, deixar de apreciar a proposta de lei agora em discussão.

Não o vou fazer como técnico, que não sou, mas apenas no plano geral de ideias, de vantagens, de incidências económicas ou de potencialidades de progresso.

Numa afirmação à priori quero dizer que vejo nesta proposta de lei as maiores possibilidades de progresso da nossa agricultura e que, mesmo quando alguma das suas disposições nos pareça discutível com a nenhuma experiência que há, só a sua aplicação prática lhe poderá vir a trazer mais tarde a conveniente ou eficaz correcção.

Contudo, impressiona-me extraordinariamente, através dos dados que tão amável como abundantemente me foram fornecidos por S. Exa. o Secretário de Estado da Agricultura, pela Junta de Colonização Interna e por alguns outros dados que pude colher, que noutros países mais avançados do que o nosso só se tenha começado a fazer emparcelamento quando a produtividade e a rentabilidade da agricultura já tinham alcançado níveis de que nós ainda hoje estamos muito e muito afastados.

Lançou-se mão do emparcelamento por ser nesses países praticamente a única, forma de alcançar resultados ainda superiores aos já normalmente então atingidos.

Isto é: o emparcelamento é um meio, não é um fim, e até a pequena ou muito pequena lavoura pode ser altamente produtiva, pelo menos em relação à nossa, sem se fazer emparcelamento. É claro que, feito este, ainda melhorará.

E impressionante, neste aspecto, a nossa comparação com a Bélgica. Ficam para os técnicos todas as explicações das diferenças do complexo agro-climático dos dois países e possibilidade de actuação cá e lá, mas os números são de tal grandeza que não posso deixar de os comentar.

Trata-se de um país com uma população sensivelmente igual à de Portugal, com uma área cultivável de cerca de um terço da nossa, mas com um rendimento e uma produtividade muito superiores.

A população activa é sensivelmente igual à portuguesa, cerca de 40 por cento da população total, mas desta a população activa no sector primário é hoje ape-nas de 10 por cento, contra 49 por cento em Portugal. Aqueles 10 por cento de população activa contribuem com 9 por cento para o produto nacional bruto, enquanto os nossos 49 por cento contribuem apenas com 28 por cento.

Pouco nos dizem ainda estas percentagens se não as traduzirmos em números reais, pois então o seu afastamento é bastante mais flagrante. A população activa agrícola belga anda por pouco mais de 300 000 pessoas e em Portugal ultrapassa o milhão e meio. Sabendo que a área agrícola belga é de cerca de um terço da portuguesa, necessitaríamos nós apenas de um escasso milhão de pessoas na agricultura. Há, pois, mais de meio milhão excedentário, para o qual os problemas de desemprego ou de subemprego se devem revestir de formas bem difíceis.

Se a estrutura agrícola belga não se livra de críticas e foi necessário dar-lhe remédios e introduzir várias modificações, o que diremos da nossa!

Na mesma época, quando o salário industrial médio belga se elevava a 30 800$ por ano, a capitação na exploração agrícola de 8 ha a 15 ha atingia 24 600$, aproximadamente tripla da nossa na agricultura e só comparável, mas mesmo assim superior, ao nosso salário industrial médio.

Isto é: antes do emparcelamento já o trabalhador agrícola belga ganhava mais do que o operário industrial em Portugal. E é evidente que ainda melhorou com o emparcelamento e se espera continue a melhorar.

De todos estes números também se verifica facilmente que já hoje o sector agrícola belga, com a terça parte da área cultivável à sua disposição, produz em números absolutos uma participação para o produto nacional bruto cerca de 50 por cento superior ao do sector primário português, isto é: se a agricultura portuguesa produzisse no mesmo ritmo de produtividade da agricultura belga, ela só por si contribuiria para o produto nacional bruto com um quantitativo igual ao que é hoje a sua totalidade.

Que novas perspectivas se abririam nestas condições para a economia portuguesa! E que fantástico aumento de poder de compra para poder dar vida e possibilidades à nossa indústria!

Simplesmente, tudo isto equivale a quase quintuplicar a produtividade actual da nossa agricultura e a dar uma nova arrumação, a meio milhão de pessoas activas, ou seja cerca de milhão e meio da população total.

E contudo, se todos quisermos trabalhar, na paz e na tranquilidade, com o mesmo, sentido de progresso do País, não nos parece esta conclusão insuperável nem utópica, nem sequer muito dificilmente realizável, por arrojado que pareça afirmá-lo. O que requer é muito estudo e perseverança, e o segundo problema encontra-se resolvido uma vez dada solução ao primeiro.

E evidente que uma exploração intensiva e racional da nossa agricultura traz consigo um desenvolvimento industrial paralelo, pelo aumento de poder de compra de um largo terço da população do País, pela criação de novos serviços e novas indústrias afins com a exploração agrícola intensiva, e fàcilmente será absorvida essa parte de população agora excedentária e subempregada.

Então chegaríamos certamente à falta possível de mão-de-obra, a um emparcelamento forçoso e mais arrojado e a uma mecanização racional da agricultura largamente compensadora.

Parece, pelo que fica dito, que estamos mais a criticar do que a louvar a proposta de lei, mas não é assim: apenas estamos a tentar esclarecer o clima e a conjuntura em que aparece o emparcelamento para melhor concluirmos da sua necessidade, urgência e alto valor económico no nosso condicionamento actual.

Em afirmações de fácil demagogia têm sido quase sempre atacados os detentores da grande propriedade e as reformas agrárias têm começado mais fàcilmente pelo desemparcelamento do que pelo emparcelamento; e contudo talvez o desenvolvimento da mentalidade industrial, que tudo faz depender da capacidade de produção e dos preços de custo, nos tenha levado a pensar a agricultura dentro de pensamentos idênticos ou paralelos.

Para poder estabelecer uma comparação e para fixar ideias poderemos assimilar o minifúndio ao artesanato, o latifúndio à grande unidade industrial. No meio fica a média propriedade, de dimensões extraordinariamente variáveis com as circunstâncias de tempo e de lugar, mas que tem uma função económica e poderá ser tão rentável como qualquer das outras. E tudo uma questão, não de ideia feita, mas de proporção e estudo.

E evidente que neste momento, pelo condicionalismo próprio da nossa agricultura, é o minifúndio o grande culpado do nosso atraso, como o artesanato já o foi e hoje é assim como já noutras épocas definitivamente ultrapassadas, tanto um como outro foram o nosso melhor apoio na economia de então.

Mantendo esta comparação do minifúndio com o artesanato, resulta imediatamente bem clara a vantagem do emparcelamento e daí o seu sucesso e fácil aceitação.

Nesta altura temos, porém, de fazer uma crítica à proposta de lei, que é a de não fixar ao menos um critério, e desde já, para a definição de unidade de cultura e de casal familiar. Ora é evidente que enquanto uma propriedade, emparcelada ou não, produzir um rendimento líquido para as pessoas nela ocupadas inferior ao rendimento per capita do produto nacional, esta propriedade terá forçosamente de ser remodelada e integrada na sua verdadeira função económica, visto ser um factor de retrocesso e diminuição da economia do País; é um caso de interesse público, e enquanto tal critério é há muito motivo de forte preocupação e estudo para quem se dedica à indústria, ainda na agricultura esta ideia é incipiente ou até francamente desprezada.

Na comparação atrás feita com os números da agricultura belga é fácil ver que temos um largo caminho a andar e que a noção de unidade de cultura terá de ser uma unidade abstracta.

O casal familiar poderá medir-se por um determinado número de unidades de cultura, pois esta noção varia no tempo e no lugar e à medida que se conseguir para a nossa agricultura uma melhor produtividade.

Não temos dúvidas das possibilidades da nossa agricultura e não teríamos necessidade de comparar com ninguém, nem de citar os números da Bélgica, se não tivéssemos querido situar bem a posição do nosso atraso, frisar bem a pobreza dos nossos números e as largas possibilidades que se nos oferecem.

Num livro que tão amavelmente nos foi oferecido pelo ilustre Prof. Eng.º Eugénio de Castro Caldas afirma-se a pp. 22 e 23:

O solo tem vida; evolui, progride ou retrocede.

E mais adiante:

Nas regiões do Norte, que dão a falsa imagem de um completo aproveitamento de recursos agrícolas, muito se pode ainda conseguir.

E ainda diz o ilustre professor:

... e até, frente a Lisboa, nas areias do Pliocénico a sul do Tejo, falsos desertos, ou melhor, desertos de iniciativas.

Desertos de iniciativa humana; é este o enquadramento de muitos dos aspectos da nossa agricultura ... à imagem e semelhança de certos quadros da nossa indústria.

No ainda recente contacto que tivemos com os agricultores de Estorãos, onde se está a realizar o primeiro emparcelamento do País, foi-nos imediatamente apontado, na leva de entusiasmo e esperança desse povo pelo emparcelamento, que de tão bom grado aceitou, mercê não tanto da sua compreensão do problema, como muito mais da paciente, esclarecida e diplomática acção, chamemos-lhe assim, dos técnicos que estão realizando aquela obra, foi-nos apontado, a título de exemplo e de esperança, um resultado obtido num campo, aliás ainda não emparcelado, mas já cultivado sob a orientação desses técnicos e em que normalmente se obtinha uma média de sete rasas de milho: este ano, sem ser ano excepcional, mas mercê da técnica, tinham-se obtido 50 alqueires, isto é, um rendimento sete vezes superior.

Também me foi feita lia altura uma, outra afirmação, que pode constituir, até certo ponto, o reverso da medalha.

Pensam os lavradores de Estorãos que, no futuro, mercê do emparcelamento e das novas técnicas, 80 por cento do milho produzido não é necessário para o consumo local e poderá ser vendido, enquanto hoje não chegam a produzir o milho necessário para o seu consumo.

Perante esta mudança de situação e a seguir-se e confirmar-se tão brilhante exemplo, é evidente que o milho passaria a sobrar largamente no Norte do País; o seu preço aviltar-se-á e poderá atingir níveis tão baixos que a sua cultura, mesmo em alta produtividade, volta a ser deficitária.

Poderão, é certo, as propriedades emparceladas suportar esse aviltamento de preço por unia exploração mais racional, mais económica e de mais alta produtividade, mas nesse momento os outros pequenos proprietários não emparcelados ou tecnicamente mais atrasados nas regiões vizinhas estarão já a atingir níveis de miséria. Novos problemas, a que urgirá dar novas soluções.

Parece-me preferível começar desde já a encarar o problema em toda a sua verdadeira extensão e a procurar prever antes de ter de remediar.

O emparcelamento é uma solução cora e vai trazer ao Estado novos e avultados encargos. Se dele se tinir toda a sua rentabilidade potencial, pagará largamente o esforço desenvolvido; se, porém, se deixar entregue a si próprio, em tentativas mais ou menos demoradas e esporádicas, pode-se cair no erro de a sua rentabilidade não justificar o investimento.

Na sua primeira fase o em parcelamento pouco pode aumentar u produtividade: é apenas uma modificação horizontal de estruturas em que há umas áreas agora perdidas, com divisórias a aproveitar, e uma mecanização a utilizar. Se a actuação dos técnicos se limitar a isso, duvidamos de que o esforço a realizar seja rentável; porém, como no caso já citado de Estorãos, esperamos que o simples contacto com os técnicos e os seus conselhos produza resultados bastante mais brilhantes, mas para isso é indispensável que para além do simples emparcelamento se queira e possa fazer um melhor ordenamento agrícola, arranjo ou planificação das áreas emparceladas.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Isso quer estudo e mesmo investigação; quer trabalho de conjunto, não de um técnico, mas de vários especialistas, e não se pode limitar a uma zona, mas ao conhecimento pleno e ao ordenamento total do País.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - O emparcelamento pode ser, pelas suas virtualidades próprias, o dinamizador necessário de vontades que alterem, modernizem, enfim actualizem a nossa mais que deficiente estrutura agrária.

Percorrendo o Alto Minho, onde a propriedade se encontra mais pulverizada que em qualquer outra parte do País, verifica-se imediatamente que mesmo aí não são muitas, nem muito extensas, as áreas emparceláveis. Não vemos muito facilmente como o acidentado do terreno o poderá permitir, e contudo é onde ele seria mais necessário, pela extrema divisão da propriedade. Não podendo fazer emparcelamento, está então toda esta lavoura minhota condenada para sempre a um atraso irremediável? Custa-nos a crer que assim seja.

O emparcelamento é mais um meio do que um fim, mas é um meio poderosíssimo do qual podem sair noções mais claras sobre as nossas estruturas económicas ligadas à agricultura.

Pela sua relativamente pequena extensão possível, pelo menos nesta sua. primeira fase, não vai resolver definitivamente os nossos problemas agrícolas; contudo, a necessidade de preservar e tornar mais produtivo o capital investido certamente nos vai trazer um princípio de actuação sobre os verdadeiros males de que enferma a nossa lavoura.

Mais que uma solução, considero-o um campo experimental, mas que pode ser largamente produtivo, e digo isto porque é. evidente que nos outros países mais progressivos quando se começou a fazer emparcelamento, já a agricultura, embora com grandes problemas, se encontrava num estado de adiantamento e de rentabilidade muito superior ao da nossa.

Há uma necessidade urgente de aumentar o nível cultural, e de informação das populações rurais, pois que o seu primitivismo, rotina ou ignorância é suficiente para inutilizar as melhores intenções.

É indispensável uma melhor e mais completa assistência técnica, e não só em superfície como em profundidade. O conhecimento da agricultura e dos seus problemas nas populações rurais deve vir desde a escola primária. São necessários capatazes, feitores, regentes agrícolas, engenheiros agrónomos em quantidade suficiente e suficientemente esclarecidos e orientados para modificarem o carácter do nosso lavrador e fazerem pressão nele para acompanhar o progresso do Mundo e contribuir de uma forma fundamental e poderosíssima para o progresso do País.

O Sr. António Santos da Cunha: - Se me dá licença, folgo muito em que seja posta de novo em evidência esta necessidade de técnicos, técnicos e mais técnicos.

Ainda outro dia, quando aqui se discutia a Lei de Meios, aludi à necessidade da criação de novas escolas, escolas de toda a espécie, para podermos recrutar o maior número possível de técnicos.

Fala-se em planos de fomento e em tudo, mas esquece-se que não conseguimos arranjar artífices e técnicos para levar avante as obras respectivas. E, no entanto, é uma necessidade imperiosa e premente.

O Orador: - Estou perfeitamente de acordo com V. Exa., pois não há dúvida que precisamos de escolas, desde a instrução primária até às superiores.

Há dois anos que o sector primário não contribui para o aumento do produto nacional, e, contudo, há países mais progressivos em que nestes dois anos a agricultura aumentou em quase 30 por cento essa comparticipação.

Torna-se indispensável um conjunto seriamente articulado de providências destinadas a corrigir as nossas deficientes estruturas económicas.

Criou-se para isso, paciente e laboriosamente, toda uma organização corporativa que estrutura o País. Há que tirar dela todas as suas magníficas possibilidades.

E do trabalho de conjunto, articulado, de todos estes diferentes sectores da actividade nacional que a agricultura poderá beneficiar e progredir como é indispensável para o País nesta conjuntura, actualizar-se e pôr-se a par das mais progressivas, dando assim, pelo seu enormíssimo aumento de poder de compra, o maior e mais eficaz impulso à industrialização do País, que difìcilmente se torna possível no meio de uma agricultura dia a dia mais pobre, sujeita sempre aos caprichos do clima e do tempo, de que ainda não soube ou não pôde libertar-se dentro de medidas que para outros já são correntes.

Esperamos que será o emparcelamento um começo de esforço positivo nesse melhor sentido.

Tenho dito."

MÚSICA ERUDITA E MÚSICA TRADICIONAL

Pela sua envolvência e salvo opinião técnica mais fundamentada no que respeita às condições acústicas, existem na nossa região algumas igrejas e outros locais deveras apropriados à realização de espetáculos de música erudita, mormente dos períodos medievais e barroco, incluindo a recitação de poesia do nosso cancioneiro galaico-minhoto que representa a aurora da poesia portuguesa.

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E, para que melhor se compreenda que não existe qualquer barreira entre a música erudita e a música popular, sendo injustificado um certo preconceito existente em relação ao folclore, transcreve-se seguidamente um artigo recentemente publicado no Portal do Folclore

A música erudita é, por definição, toda a criação musical resultante da erudição, produzida de acordo com regras que foram sendo estabelecidas ao longo de várias épocas, integrando vários géneros que respeitam a diferentes fases estéticas e que vão desde a Idade Média aos nossos dias. Ela abrange períodos tão distintos que correspondem a categorias tão diversas como a música medieval e renascentista, a música barroca e a clássica, do Romantismo e a música contemporânea. Com influência grega e hebraica, as suas raízes remetem para a liturgia cristã e das canções trovadorescas que estão na origem do cancioneiro galaico-minhoto.

Por conseguinte, o conceito de música erudita não contempla a música popular tradicional. Porém, muitos foram os compositores que, ao longo dos tempos, se inspiraram nas tradições folclóricas para construírem as suas obras musicais. Bastará que nos recordemos de Brahms, Haydn e Beethoven, nos países germânicos, Lizt e Béla Bártok, na Hungria e Stravinsky, na Rússia. E, entre nós, Luís de Freitas Branco e Fernando Lopes Graça, Ruy Coelho e Vianna da Motta. Conforme disse João de Freitas Branco: “Uma história da música portuguesa, ainda que tendo como objecto a arte sapiente de compositores e intérpretes, não pode ignorar o que é, afinal, a mais portuguesa de quantas músicas, porque vive no seio do povo”.

Desde logo, podemos situar nas “cantigas de escárnio e maldizer” a origem das desgarradas e cantares ao desafio, da mesma forma que os poetas repentistas se filiam na tradição dos jograis e menestréis, conservando a sátira como sua principal característica. Retomando as palavras de João de Freitas Branco, “…as danças dos pauliteiros, com seus trajes e preceitos curiosíssimos, dir-se-iam também reconstituições de costumes medievais, enquanto as encomendações das almas acusam de outro modo a penetração cristã. Os belos corais alentejanos sugerem a influência da música polifónica religiosa, que foi tão brilhantemente cultivada na região, e outros exemplos, nomeadamente no Douro Litoral, descendem também do canto a duas e mais vozes de há centenas de anos, conservando por vezes, pouco deterioradas, formas definidas, designadamente de vilancico, e permitindo até, num ou outro caso, aventar a hipótese de proveniência de trechos conhecidos por via dos cancioneiros renascentistas”.

Com efeito, o cante alentejano deve em grande parte a sua influência à música polifónica dos frades da Serra d’Ossa e à denominada “Escola de Évora” que constituiu um dos expoentes do período barroco, considerada a idade de ouro da música portuguesa, denunciando o cantochão no modo muito peculiar da forma mais solene de cantar na margem direita do rio Guadiana. Antes, porém, encontramos no teatro de Gil Vicente a inspiração da música tradicional a acompanhar versos de sabor popular:

Em Portugal vi eu já

Em cada casa pandeiro

E gaita em cada palheiro;

E de vinte anos a cá

Não há hi gaita nem gaiteiro

É ainda nesta época, mais concretamente durante o reinado de D. João V, que o célebre compositor Domenico Scarlatti, filho do não menos famoso Alessandro Scarlatti, se fixa em Lisboa e passa a viver na corte portuguesa, tendo aí desempenhado as funções de compositor real e mestre dos príncipes. Também ele se inspira no folclore português e compõe duas sonatas baseadas num fandango e numa canção típica da Estremadura.

Mas, são os compositores do Romantismo quem mais recorre aos temas folclóricos, criando obras de inigualável beleza. Esta corrente artística inspirou-se nomeadamente nos temas medievais e na tradição popular com vista à criação de um nacionalismo que veio a conduzir ao estabelecimento de muitas nações independentes na Europa. São dessa altura as mazurcas de Chopin, as rapsódias húngaras de Liszt e Brahms e as danças andaluzes de Manuel de Falla. Dvórak, Stravinsky, Schubert, Schumann, Mendelssohn, Grieg, Debussy, Glinka, Sibélius e Villa-Lobos foram outros tantos compositores que incluíram no seu reportório a música tradicional dos seus países.

Considerado um dos mais consagrados compositores portugueses de sempre, Luís de Freitas Branco compõe Alentejo, Suites nº. 1 e 2, enquanto Vianna da Motta recorre à música tradicional e produz peças para piano como “Rapsódias portuguesas”, “Canções portuguesas” e “Duas Romanzas”. Entre os seus discípulos contam-se João de Freitas Branco e Fernando Lopes Graça. Também Alfredo Keil e a sua “Ópera Serrana” e Ruy Coelho, a quem se deve a divulgação internacional da ópera portuguesa, a ópera “Tá-Mar” e as músicas sinfónicas “Rondó Alentejano” e “Seis Canções Populares Portuguesas e Peninsulares”. Foi o autor da banda sonora do filme “Ala-Arriba!”, de Leitão de Barros.

Graças à invenção dos gravadores de som, surgiu nos finais do século XIX a etnomusicologia – ou antropologia da música – que visa o estudo musical da canção folclórica e o seu enquadramento etnográfico, dando origem a um árduo trabalho de recolha que viria a ser fundamental para a sua reconstituição e também para a criação dos reportórios dos ranchos folclóricos. Entre os seus fundadores contam-se os húngaros Zoltán Kodály e Béla Bartók que procederam ao levantamento da música tradicional húngara e romena.

Na senda de Béla Bartók, Fernando Lopes Graça produziu numerosas peças corais inspiradas no folclore português, de entre as quais salientamos “eu fui à terra do bravo”, publicou “A Canção Popular Portuguesa” e, em parceria com Michel Giacometti, a “Antologia da Música Regional Portuguesa”. Este, por sua vez, publicou o “Cancioneiro Popular Português” e procedeu a um grandioso trabalho de recolha de música tradicional.

Uma vez mais, parafraseando João de Freitas Branco, “O estudo ao mesmo tempo aprofundado, sistemático e em grande escala do folclore nacional está ainda por fazer. (…) Se as entidades competentes lhes não acudirem, não tardará que se perca para sempre um insubstituível tesouro nacional”. Constatando a ignorância com que o folclore é frequentemente encarado, bem revelador de um certo provincianismo que se pretende fazer passar por cosmopolita, não nos surpreende que o mesmo acabe irremediavelmente perdido!

Bibliografia:

- GRAÇA, Fernando Lopes. A Canção Popular Portuguesa. Publicações Europa-América. Lisboa.

- BRANCO, João de Freitas. História da Música Portuguesa. Publicações Europa-América. 4ª Edição. Lisboa. 2005

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