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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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1º DE MAIO: A DATA QUE SIMBOLIZA O TRABALHO – CRÓNICA DE GONÇALO FAGUNDES MEIRA

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Comemorações do 1º de Maio em Viana do Castelo em 1938

Génese e efeitos

O mundo do trabalho foi sempre insubmisso e determinado, fatores que se podem considerar determinantes na evolução das sociedades, na conquista do progresso e na melhoria das condições de vida de quem vende a sua força de trabalho. Mas assim teria que ser.

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A imagem mostra as comemorações do 1º de Maio de 1977 em Viana do Castelo

Do trabalho, quase sempre escravo, de milhões de operários resultou a construção de impérios, a constituição de grandes grupos económicos, o enriquecimento, por vezes chocante, de uma elite financeira que determinava e geria as economias de acordo com os seus interesses, nem que para isso fosse preciso estabelecer guerras nas quais sucumbiriam milhões de pessoas.

O capital, salvo raras exceções, mostrou-se sempre insensível ao trabalho sem direitos e à pobreza que reduzia populações inteiras à condição de seres vegetantes, desprovidos até de bens essenciais, como são a alimentação e o vestuário. Ainda há praticamente meio século, em Portugal, não faltava gente que, nas aldeias, aceitava trabalhar no campo dos grandes lavradores por pouco mais que a alimentação, parca e de baixa qualidade. Se hoje o trabalho em boa parte do planeta, especialmente nos países mais evoluídos, é mais justamente remunerado, em boa medida se deve à combatividade dos trabalhadores, à sua consciencialização e à sua valorização profissional.

Não é de estranhar por isso que no primeiro dia de maio de 1886, já de forma organizada, na sequência de regulares, e por vezes violentas, agitações que iam acontecendo, especialmente nos locais de trabalho onde havia uma forte concentração de trabalhadores, se decretasse uma greve geral em todos os Estados Unidos e que meio milhão de trabalhadores se manifestasse nas ruas de Chicago, em luta pela jornada das 8 horas de trabalho. Apesar da repressão dos feridos e dos mortos nesta primeira ação devidamente concertada, três anos depois, em 1889, reunido em Paris, o Congresso Operário Internacional decreta o 1º de Maio, como o Dia Internacional dos Trabalhadores, considerando-o um dia de homenagem aos caídos, mas também de luta na base de novas reivindicações. No ano seguinte, os trabalhadores americanos festejaram a conquista da jornada de trabalho de oito horas, o mesmo acontecendo em França em 1919 e veio posteriormente a acontecer em vários outros países considerados desenvolvidos.

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Comemorações do 1º de Maio em Viana do Castelo em 1980

1º de Maio em Portugal

Em Portugal o 1º de Maio passou a ser comemorado logo em 1890, sendo estas comemorações vistas com simpatia pelo rei D. Carlos, o “Diplomata”, que tinha assumido o poder precisamente em 1889. Porém, de forma praticamente simbólica e até festiva, a que também se associavam as entidades patronais, por considerarem que o dia também lhes tocava. Contudo, em 1910, o fim da Monarquia e o estabelecimento da República criou novas formas de estar na sociedade portuguesa e animou as reivindicações do movimento operário, ao ponto de, depois de ativas lutas, em 1919, se ter conquistada e consagrado em lei a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.

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Comemorações do 1º de Maio em Viana do Castelo em 1975

Com a instalação do Estado Novo (1933/1974) e a imposição da doutrina do corporativismo, em que se tentava amalgamar os interesses de todas as classes sociais, como se não houvesse interesses distintos entre estas, todas as manifestações do 1º de Maio foram proibidas, sendo o dia comemorado com caráter oficial todos os anos em local diferente, fazendo-se destas comemorações ações festivas de apologia ao regime em vigor, tentando desta forma abolir a luta de classes e conciliar os interesses de empregados e empregadores. Alguns exemplos de locais das comemorações: 1934 em Braga, 1935 em Guimarães (imag. 1 – revista Ilustração, 16/5/35); 1937 em Famalicão (imag.2 – revista ilustração, 16/5/37); 1938, em Viana do Castelo (imag. 3), neste ano de forma fatídica, já que um autocarro que transportava pessoas vindas de outros locais para as comemorações, foi colhido pelo comboio quando atravessava a passagem de nível situada em frente à igreja do Carmo, tendo do acidente resultado duas dezenas de mortos (imag. 4 – revista Ilustração, 16/5/5/38).

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Mas a ditadura Salazarenta não conseguiu abafar de todo as comemorações do 1º de Maio em contexto combativo e de forte reivindicação, especialmente nos grandes meios operários, industriais, agrícolas e mesmo de serviços, como era o caso dos trabalhadores do comércio, bancários e outros. O Estado Novo sempre procurou, em todos os setores de trabalho, nomear gente alinhada com a situação para constituir e integrar os sindicatos, tornando estes dóceis, facilmente manobráveis e nada apoiantes das lutas dos seus representados. Daí que todas as ações de protesto fossem conduzidas, ou por sindicatos não reconhecidos oficialmente, ou por comités eleitos pelos trabalhadores. Com o início da guerra colonial em Angola, em 1961, e a agitação a crescer de tom, o 1º de Maio recrudesceu de politização, passando a englobar igualmente a luta pela libertação dos povos colonizados. São bem conhecidas as manifestações de 1962, pela dimensão que atingiram particularmente em Lisboa, Porto e Setúbal, com mais de cem mil manifestantes.

O 1º de Maio em Viana do Castelo

Com a fundação dos ENVC em 1944, Viana ganhou um outro nível de consciencialização. A forte concentração operária aí instalada, gente semianalfabeta porque oriunda dos campos, mas enquadrada em ambiente propício à sua politização, em boa medida mercê ainda da consciencialização dos chamados mestres de Lisboa, quase todos oriundos dos Estaleiros da CUF, muitos deles já ativistas políticos, a cidade tornou-se mais agitada politicamente, sendo os trabalhadores dos Estaleiros muito requisitados para integrar as associações existentes e criar outras para os mais diversos fins. Apesar de a empresa contar com agentes da PIDE no seu interior, como ficou provado depois da revolução em 1974, as administrações procuraram sempre alhear-se de questões de ordem politica, mesmo sabendo da necessidade de contar com as boas vontades do Estado para a construção dos navios que serviam as frotas de guerra, mercante, e pesqueira do país. Daí que nos ambientes de trabalho se conspirasse e articulassem ações por melhores condições de trabalho e pela eleição de dirigentes sindicais verdadeiramente representativos dos trabalhadores. Mas as comemorações do 1º de Maio, dada a dificuldade de concentrar gentes em ambiente de província, onde ainda predominava muito atraso, nunca foram além de atividades isoladas.

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Com o advento do Marcelismo, embora a abertura desejada não fosse além da mera cosmética, a atividade sindical recrudesceu e os sindicatos corporativos eram cada vez mais postos em causa. Era o tempo em que praticamente por todo o país as organizações sindicais eram tomadas por verdadeiros sindicalistas, se avançava para as greves sem receios, se negociavam contratos de trabalho respeitadores dos direitos dos trabalhadores e se discutia mais abertamente alterações ao regime vigorante. E foi nesta conjuntura, com este estado de espírito, especialmente das gentes do trabalho por conta de outrem, que se criaram as condições para o saneamento de todos aqueles que nunca foram mais que meros servidores do Estado Novo. Foi assim que o Movimento Sindical foi todo varrido onde era necessário e ocupado por gente devotada e com vontade de servir quem a elegeu. Viana também não ficou de lado nesta dinâmica revolucionária e, com um Movimento Sindical estruturalmente vivo, as primeiras manifestações do 1º de Maio, como mostram as imagens 5, ano de 1975; 6, ano de 1978; e 7, ano de 1980, constituíram grandes concentrações de massas, apostadas em contribuir para uma nova mentalidade social. Hoje, apesar do longo caminho percorrido e da valorização das classes trabalhadoras, e do povo em geral, a apatia parece querer instalar-se de novo. Mas isso é assunto para outras análises, que o espaço agora não comporta. Que perdure a convicção de que o 1º de Maio constitui a mais significativa etapa na vida do Movimento Operário.

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