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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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MINHOTOS CANTAM AO DESAFIO AO TOQUE DA CONCERTINA

Casa do Minho em Lisboa organiza Encontro de tocadores de concertina e cantares ao desafio

Os minhotos que vivem na região de Lisboa vão no próximo dia 18 de outubro rumar ao Auditório da Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras, para participarem num grandioso encontro de tocadores de concertina e cantadores ao desafio.

Desde que, em pleno século XX, a concertina chegou ao Minho, este instrumento tornou-se inseparável do minhoto que a leva consigo para todo o lado e, sobretudo, para a festa e romaria, abrilhantando-a com as mais alegres rapsódias do nosso folclore. E, tal como outrora sucedeu com o cavaquinho, levou-a para as paragens mais distantes para onde foi forçado a emigrar, afagando os seus momentos de tristeza e abatimento, procurando sempre ao ritmo do vira, da chula e da cana-verde recuperar com saudade os dias felizes passados nas ridentes veigas da sua aldeia.

Tal como atualmente a conhecemos, a concertina é um instrumento popular que teve a sua origem na Europa por volta de 1830 e faz parte dos membrafones ou seja, dos instrumentos musicais que produzem o seu som graças à actuação de uma membrana. Porém, ela só se populariza entre nós em pleno século passado, tendo encontrado no Minho o ambiente musical propício para ser adotado como um dos imprescindíveis instrumentos do folclore local.

E, ao som da concertina, os minhotos cantam ao desafio, preservando uma tradição que remonta aos alvores da nacionalidade e lírica galaico-minhota, expressa nas cantigas de escárnio e maldizer que tem na nossa tradição do cantar ao desafio e ainda nas regueifas galegas a sua forma mais recente.

Origem e tradição das regueifas e cantares ao desafio na Galiza e em Portugal

Remontam muito provavelmente à Idade Média os tradicionais cantares ao desafio tão caraterísticos do Minho, filiando-se porventura nos cantares trovadorescos e principalmente nas cantigas de escárnio e maldizer da época, a um tempo em que o falar do povo não se distinguia ainda nas duas margens do rio Minho – Galiza e Portugal – e a Língua portuguesa florescia graças a um extraordinário movimento cultural a que certamente não era alheio as peregrinações a Santiago de Compostela e a tradição da poesia trovadoresca provençal que os peregrinos transportavam consigo pelo caminho que atravessava os Pirenéus. Estava então Portugal a dar os primeiros passos na sua formação como nação independente, fazendo tentativas várias para que também a Galiza o acompanhasse nesse projeto.

Aos cantares ao desafio, também conhecidos entre nós como desgarradas, chamam os galegos de regueifas, fato a que não é alheio o velho costume de, em ocasião de romaria, se consumir um pão doce em forma de rosca, com farinha de boa qualidade, também utilizado em ocasiões de boda. As migrações internas e sobretudo as vias de comunicação levaram esta especialidade gastronómica a outras regiões do país, adquirindo novas formas e denominações como fogaça e bolo-de-arco, sendo nalguns sítios se popularizado como “pão espanhol” numa clara alusão às suas origens minhotas e galegas.

À semelhança dos cantares ao desafio, a regueifa galega constitui uma cantiga improvisada na qual duas ou mais pessoas seguem um cantar ao despique sobre um tema determinado ou simplesmente tratando de saber qual deles logra obter o maior aplauso do público. A relação com o pão que na realidade dá o nome a esta forma de expressão musical reside na competição havida entre regueifeiros durante uma boda, cujo vencedor era distinguido pela noiva que lhe entregava a regueifa e dava a honra de reparti-la entre rapazes e raparigas solteiras presentes na festa. Com o decorrer do tempo, o costume vulgarizou-se e a designação de regueifa passou a denominar o cantar ao desafio mesmo fora da ocasião de uma boda, com ou sem o pão.

Tal como a regueifa feita de açúcar, ovos, manteiga e canela é apreciada noutras regiões do país e passou a marcar presença em ocasiões festivas, também o costume dos cantares ao desafio se propagaram por outras paragens, naturalmente adaptados às idiossincrasias de cada povo, como sucede com os repentistas no Brasil e na Colômbia e os desafios entre payadores na Argentina e no Uruguai. Em Portugal, a forma de cantar ao desafio adaptou-se ao fado sob a forma de desgarrada e encontramo-lo nos cantos das décima do Alentejo e nos poetas repentistas algarvios.

Em consequência do abandono do mundo rural e das suas tradições em face do crescimento urbano e da perda do uso da língua galega, o género musical da regueifa tem vindo a cair em desuso na Galiza á semelhança de outras manifestações da cultura tradicional galega. Porém, os cantares ao desafio têm vindo a adquirir crescente notoriedade no nosso país graças sobretudo a exímios cantadores e tocadores de concertina, constituindo uma das principais atrações de muitas festas e romarias que competem entre si a sua preferência e dela fazendo uma das tradições mais apreciadas das nossas gentes.

Carlos Gomes / http://www.folclore-online.com/