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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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HÁ QUARENTA ANOS, ALMIRANTE HENRIQUE TENREIRO FALOU DOS ESTALEIROS NAVAIS DE VIANA DO CASTELO NA ASSEMBLEIA NACIONAL

“Estão em actividade, há vários anos, estaleiros navais que têm cumprido a sua missão, mas importa desenvolvê-los e apetrechá-los devidamente para continuarem, como até aqui, a construção de todos os grandes navios de pesca nacionais de que carecemos. Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, da Figueira da Foz e de S. Jacinto especializaram-se na construção deste tipo de navios, mas têm produzido também, e com pleno êxito, larga tonelagem para a nossa marinha mercante. Com a Setenave e com a ampliação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e com outros estaleiros projectados, estaremos em posição de construir e reparar navios de qualquer porte.” – Almirante Henrique Tenreiro, em 1973

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Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram criados em 1944 por um grupo de sócios ligados à construção naval e a empresas do ramo da pesca do bacalhau. Construídos sob a égide do governo, em pleno auge do Estado Novo, os estaleiros destinaram-se sobretudo á construção da nossa frota pesqueira de longo curso, vindo posteriormente a alargar a sua atividade à construção de ferry-boats e navios de guerra. Entre as suas produções mais emblemáticas, destaque-se o Navio-hospital Gil Eannes, atualmente transformado em museu, atracado no cais comercial de Viana do Castelo onde se encontra aberto à visita do público.

Em 21 de fevereiro de 1973, o Almirante Henrique Tenreiro, na sua qualidade de deputado à Assembleia Nacional, proferiu uma interessante intervenção na qual abordou os problemas da nossa marinha mercante e suas estruturas de apoio, mormente a situação dos estaleiros portugueses, incluindo os Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

O Almirante Henrique Tenreiro com uma das personalidades mais emblemáticas da ordem corporativa do Estado Novo, tendo exercido uma influência decisiva no setor das pescas, definindo nomeadamente as principais diretrizes da política nacional das pescas e determinando a colaboração entre os armadores e as Casas dos Pescadores e os Sindicatos Nacionais. Era o Almirante Tenreiro quem dispunha e controlava as fontes de financiamento dos programas de renovação da frota pesqueira, impôs a concentração de capitais em sociedades de armadores controladas pelos grémios e apoiou a criação de empresas privadas para assegurar o abastecimento de pescado.

Pelo interesse histórico e atualidade do tema, precisamente numa altura em que a sobrevivência dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo parece estar em risco, transcrevemos a referida intervenção do deputado Henrique Tenreiro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Tenreiro.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: Desejo referir-me hoje a um sector do mais alto interesse nacional: o da marinha mercante e suas estruturas de apoio.

Ao falar da marinha mercante nenhum marinheiro pode deixar de começar por evocar o surto renovador, ou, melhor, a grande arrancada e a larga visão do Sr. Almirante Américo Tomás, hoje venerando Chefe do Estado, quando, em 1945, como Ministro da Marinha, lucidamente ergueu as linhas de força do nosso ressurgimento naval, com o pronto lançamento das indispensáveis infra-estruturas de apoio, de vital importância para o seu desenvolvimento. Com a sua superior orientação renasceram também importantes estaleiros navais, no Norte e Centro do País, que, imediatamente, puderam construir numerosos navios, com elevados benefícios para a economia nacional e para a nossa balança comercial.

A implantação de um grande estaleiro em Lisboa foi uma das preocupações constantes do Sr. Almirante Américo Tomás, a quem coube o mérito de ter sabido despertar a iniciativa dos empresários para a realização de uma obra que, então, muitos julgariam impossível em Portugal. A Lisnave representou a concretização, em escala embora não prevista, do labor persistente e entusiástico de S. Exa., como também o foi a organização do sector do trabalho marítimo, um dos primeiros a colher os benefícios dos esquemas da previdência social.

Todos estes acontecimentos tendem, naturalmente, a esbater-se no caminhar do tempo, mas não os podem olvidar os marinheiros que conheceram as antigas deficiências da nossa marinha mercante. É por isso que os homens do mar continuam a recordar a data em que surgiu o célebre programa de realizações contido no inesquecível despacho n.° 100, prosseguido por outros ilustres Ministros da Marinha, que têm podido contar com a eficiente acção coordenadora da Junta Nacional da Marinha Mercante e com o dinamismo dos seus presidentes.

Pudemos, assim, assistir no final de 1971 e em 1972 - e com outra ordem de preocupações - às cerimónias da comemoração dos cem anos dia Empresa Insulana de Navegação, dos vinte e cinco da Soponata e dos cinquenta da Companhia Colonial de Navegação. Não pretendo ocupar-me do historial - sem dúvida brilhante - destas três grandes empresas e de toda a sua prodigiosa actividade, a fim de garantir ao País o abastecimento ú& matérias e produtos de natureza vital para o processo do nosso desenvolvimento económico, assegurando, em conjunto com outras empresas, a ligação entre as várias parcelas do território português e, num momento cruciante para a Nação, o transporte maciço e rápido dos nossos valorosos militares e do material de guerra indispensável à defesa das populações das nossas provindas ultramarinas.

O que hoje nos galvaniza é a continuidade destas magníficas realizações, de acordo com a política de renovação das actividades produtivas superiormente traçada pelo Sr. Presidente do Conselho, Prof. Doutor Marcelo Caetano, que vivamente se tem interessado na construção dos esquemas que visam a melhorar cada vez mais a posição de Portugal no conjunto das nações marítimas, apetrechando-nos para todas as eventualidades com os meios suficientes à interpenetração com o ultramar. São, pois, razões de soberania, de defesa, de desenvolvimento económico, de equilíbrio da balança de pagamentos, de defesa das empresas da concorrência estrangeira, de necessidade de manter comunicações com outros povos, de conservação de mercados, de fomento do turismo e de prevenção de crises de vária ordem que justificam uma atenção muito especial ao processo de desenvolvimento das marinhas de comércio e de pesca.

O Sr. Almirante Pereira Crespo, a quem hoje está confiada a pasta da Marinha, tem prosseguido a honrosa tradição do seu Ministério, que é a de procurar abrir novos rumos às actividades marítimas, para maior prestígio do nosso pavilhão nos mares de todo o Mundo.

De entre as últimas medidas tomadas desejo destacar o Decreto-Lei n.° 135/72, em que se procura o aumento da dimensão mediante a concentração empresarial, a maior diversificação na exploração de rotas e o desenvolvimento do transporte especializado Por empresas e por navios, te se criam condições favoráveis à contínua renovação e expansão das frotas no âmbito internacional.

Uma ideia, embora genérica, da evolução deste sector, nos últimos quatro anos, pode ser obtida através dos seguintes elementos:

A capacidade total dia nossa frota de navios de longo curso, de cabotagem e de navegação costeira acusou um acréscimo de 54 por cento desde Agosto de 1968 a Janeiro de 1973.

É de assinalar que durante este intervalo de tempo aumentou em 84,5 por cento a tonelagem dos navios com mais de 10 000 t de porte.

Em relação aos diversos tipos de unidades, o aumento foi muito importante nos navios de carga geral, frigoríficos, graneleiros e porta-contentores. Registou-se diminuição no número de navios de passageiros, devido, sobretudo, ao incremento do avião como meio de transporte rápido de pessoas, prevendo-se que, no futuro, os navios de passageiros sejam utilizados quase exclusivamente em cruzeiros turísticos.

O melhor indicador da renovação operada na marinha marcante é o que nos mostra que 43,5 por cento da nossa frota estão hoje na fase inicial da sua exploração.

Este número revela que a frota mercante se tem modernizado dentro das possibilidades, condicionalismos e características de um tráfego nacional bastante diversificado e que procura, agora, no tráfego internacional, todas as vantagens que daí lhe advêm.

A título de elucidação, refiro que em 1971 a evolução da tonelagem mundial prosseguiu em expansão à taxa de 9 por cento em relação ao ano anterior, parecendo ter-se atingido um excesso de capacidade, revelado pelo facto de ter aumentado o número de navios amarrados e de os armadores terem recorrido a reduções de velocidade e tomado medidas de abrandamento de actividade. Acreditava-se que esta posição dificilmente poderia modificar-se nos anos seguintes, porque os navios em construção pareciam ser suficientes para satisfazerem a procura prevista, que vinha baixando desde o final de 1970.

Efectivamente, e em 1971 a tonelagem de novas construções for superior à de todos os anos precedentes, representando a de transportadores a granel e petroleiros cerca de 90 por cento do crescimento total.

Em resultado da acção conjugada entre a expansão rápida da frota mundial e a redução da taxa de crescimento da procura de transportes marítimos, o mercado de fretes baixou extraordinariamente no ano de 1971, o que não deixou de trazer consequências muito sérias ao armamento, que teve de suportar o contínuo agravamento das despesas de exploração, tais como a alta dos custos para os salários, reparações, despesas portuárias, seguros, etc.

Esta situação veio, porém, a modificar-se mais uma vez, espectacularmente, em Setembro de 1972, devido a um conjunto de factores em que sobressai o fracasso das colheitas nos países de Leste, a maior procura de tonelagem por parte da China, as crescentes exigências dos Estados Unidos em petróleo para contrabalançar as carências de energia e as incertezas políticas no Mediterrâneo.

É certo que o mercado de navios é muito sensível à evolução da economia mundial e que as previsões, em matéria de transportes marítimos, envolvem numerosos elementos que podem ser fonte de erros, a exigir, portanto, uma contínua atenção à evolução

da conjuntura internacional, que os sujeita a flutuações cíclicas, por vezes inesperadas, que podem ser muito diferentes da evolução do comércio em todo o mundo. Daí a necessidade de constituição de amplas reservas financeiras que permitam às empresas suportar crises que podem ser bastante prolongadas.

Todos os países procuram defender as suas próprias marinhas, reservando-lhes parcelas cada vez mais importantes das importações e exportações. É o que devemos continuar a fazer em Portugal.

Cresce o número de navios que operam sob pavilhões de conveniência e nos chamados "paraísos fiscais", e a este propósito convém referir que a tonelagem global das frotas que operam sob tais pavilhões alcançou 48 milhões de toneladas de arqueação bruta em 1971, ou seja cerca de 20 por cento da frota mundial.

O embandeiramento por conveniência desenvolveu-se a partir da 2.ª Guerra Mundial e por tal processo certos países autorizam os cidadãos estrangeiros a ser proprietários e a controlar os seus navios mercantes, concedendo-lhes facilidades quase sem restrições quanto a lançamento de impostos, o que proporciona a esses países, não obstante os baixos valores dos fretes, receitas com uma assinalável incidência no seu rendimento nacional e na sua balança de pagamentos.

Tem-se afirmado que é mais fácil construir muitos e numerosos navios do que projectar e equipar grandes portos ou aumentar e adaptar os existentes.

Não há dúvida de que a expansão das marinhas de comércio e de pesca estão directamente ligadas à política portuária e, portanto, os portos devem estar apetrechados com as instalações necessárias para se poderem efectuar com a maior rapidez e segurança as operações de carga e descarga de mercadorias e a movimentação de passageiros. É tão fundamental o seu acesso por mar como as ligações com as vias de transporte e comunicações terrestres.

A facilidade e amplitude de entradas e atracações, a existência de meios adequados de carga e de descarga, a extensão suficiente em terra para o armazenamento de mercadorias desembarcadas ou aguardando embarque, a existência de armazéns especializados, como frigoríficos para produtos congelados e parques de containers, são indispensáveis para reduzir ao mínimo o tempo de imobilização de material flutuante.

Acresce que as indústrias, para melhor concorrerem nos mercados europeu e mundial, procuram cada vez mais as zonas portuárias para poderem beneficiar do transporte marítimo em circuito directo, sem roturas de carga, para aproveitamento das economias de escala no transporte, por mar, da matéria-prima destinada às grandes indústrias transformadoras.

Surgem-nos, assim, os portos como pólos de atracção e como pontos estratégicos para a indústria.

É com todo o prazer que aproveito esta oportunidade para dirigir uma palavra de louvor e admiração ao Sr. Ministro das Obras Públicas e das Comunicações e ao Sr. Secretário de Estado das Comunicações pela esclarecida visão que têm demonstrado na prossecução do plano portuário, que comporta um conjunto impressionante de realizações, algumas já em fase adiantada de projecto e outras em curso, envolvendo várias centenas de milhares de contos.

Igualmente me apraz sublinhar a acção desenvolvida pelas Administrações dos Portos de Lisboa e de Leixões - sem desdouro para as demais -, no sentido da modernização e do apetrechamento dos nossos maiores terminais portuários, por forma a se obter maior eficiência das infra-estruturas de apoio à marinha mercante e regularidade e rapidez de serviços.

No capítulo de instalações portuárias da capital, onde estão em curso importantes obras de ampliação e de reapetrechamento, podemos destacar a Doca de Pesca de Pedrouços, um dos mais modernos complexos pesqueiros da Europa, modelarmente apetrechado com vastas instalações frigoríficas para apoio da indústria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador - No porto de Leixões encontram-se em fase adiantada os trabalhos de ampliação do seu terminal petroleiro, cada vez mais necessário em face do contínuo aumento unitário na tonelagem do tráfego marítimo internacional.

Existem, no entanto, no País, designadamente no Algarve, alguns portos, como os de Vila Real de Santo António, Olhão, Faro, Portimão e Lagos, que têm alturas de água, nos seus acessos, insuficientes para os calados dos navios que os pretendem demandar, e cujas áreas de espera, de manobra e de abrigo são reduzidas e inadequadas contra os ventos e as vagas. É, pois, urgente acelerar e terminar as obras em curso, para bem servir os requisitos do comércio marítimo, do turismo e da pesca e facilitar a descarga dos produtos necessários às populações, contribuindo dessa forma para o desenvolvimento daquelas regiões do País.

O Sr. Leal de Oliveira: - Muito bem!

O Orador: - A expansão do transporte marítimo, e em especial dos grandes petroleiros e das novas frotas especializadas, com realce para a de porta-contentores, está a impulsionar em todo o Mundo o incremento das indústrias de construção e de reparações navais.

O desenvolvimento da indústria de construção naval, a que alguns chamam "de aglutinação", no sentido de que no processo construtivo do navio se encontra a aplicação conjugada de indústrias tão díspares como as da siderurgia, têxtil, madeiras, eléctrica, mecânica de precisão, química, electrónica, metalúrgica e ornamental, deve continuar a ser estimulado e auxiliado em Portugal, dando-se aos estaleiros nacionais possibilidades de crédito a taxas especiais de juro, como ajuda à exportação.

Estão em actividade, há vários anos, estaleiros navais que têm cumprido a sua missão, mas importa desenvolvê-los e apetrechá-los devidamente para continuarem, como até aqui, a construção de todos os grandes navios de pesca nacionais de que carecemos. Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, da Figueira da Foz e de S. Jacinto especializaram-se na construção deste tipo de navios, mas têm produzido também, e com pleno êxito, larga tonelagem para a nossa marinha mercante. Com a Setenave e com a ampliação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e com outros estaleiros projectados, estaremos em posição de construir e reparar navios de qualquer porte.

Importa, assim, prosseguir e aumentar também, no plano geral, o sector da reparação naval, tirando partido da excelente posição geográfica de que dispomos, na rota dos grandes petroleiros, que carecem de apoio logístico, que estamos em vantajosas condições de prestar, como tem sido amplamente demonstrado pela Lisnave.

Neste momento estão em construção em estaleiros nacionais 10 navios congeladores para as pescas do bacalhau e da pescada, e a nossa marinha de comércio tem em construção e em projecto 14 navios de grande tonelagem. Trata-se, sem dúvida, de um considerável investimento de muitos e muitos milhares de contos, a que corresponde um avultado esforço financeiro que não pode ser regateado.

Concluímos, portanto, que Portugal precisa de continuar a ter uma marinha de comércio e uma marinha de pesca modernas e capazes de responderem ao crescimento do País e às actuais e futuras necessidades de comunicação entre os nossos territórios, de buscar bens alimentares essenciais às populações e de competir no âmbito do comércio marítimo internacional, não obstante, neste caso, os riscos e as incertezas crescentes que a conjuntura mundial comporta.

Vozes: - Muito bem!