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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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“SECOS E MOLHADOS”: MENTOR DA BANDA NASCEU EM PONTE DE LIMA

Corria o ano de 1973 quando um verdadeiro meteorito atravessou o panorama musical brasileiro, repercutindo-se nos dois lados do Atlântico e provocando uma reação do público mista de perplexidade e admiração. Tratou-se do aparecimento da banda musical brasileira que deu pelo nome “Secos & Molhados” e do seu primeiro álbum com o mesmo nome, o qual continha música que, mais de três décadas decorridas, continuam a fazer enorme sucesso, como “O Vira”, “Rosa de Hiroshima”, “O patrão nosso de cada dia” e “Sangue latino”. O sucesso foi imediato e as suas melodias persistem nos ouvidos de muita gente.

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À primeira vista, tratava-se de um grupo de malucos que procuravam transgredir todos os padrões estéticos e comportamentais então vigentes, apresentando-se em público com um visual extravagante e recorrendo a maquilhagens exuberantes, um tanto à maneira de David Bowie, T. Rex e New York Dolls. Aliás, é David Bowie considerado o iniciador deste tipo de exibição quando, em 1972, lançou o disco “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders From Mars”, exibindo uma cabeleira cor-de-laranja e indumentária feminina. A propósito, Ney Matogrosso que foi um dos componentes do “Secos & Molhados” continua a interpretar muitos dos sucessos daquele grupo que fez furor nos anos setenta.

Apesar do êxito alcançado, inclusive no nosso próprio país, o que muitos limianos desconhecem é o fato do principal mentor do “Secos & Molhados” chamar-se João Ricardo Carneiro Teixeira Pinto, conhecido no meio musical apenas por João Ricardo, e nasceu no concelho de Ponte de Lima, mais concretamente na freguesia de Arcozelo, em 21 de novembro de 1949. É filho do poeta João Apolinário e, juntamente com a família, rumou ao Brasil em 1964, contava então apenas quinze anos de idade. Antes de iniciar a carreira musical, trabalhou como jornalista em diversos jornais e na Rede Globo de Televisão.

Com efeito, o grupo “Secos & Molhados” foi criado em 1971 pelo compositor João Ricardo que também se veio a revelar um excelente cantor, violinista e poeta. Estávamos numa época em que Alceu Valença, a Barca do Sol e Rita Lee & Tutti Frutti faziam grande sucesso. Na primeira formação do grupo do qual faziam parte Fred e António Carlos, João Ricardo tocava o violão de doze cordas e gaita.

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Entretanto, os companheiros decidem prosseguir uma carreira a solo e João Ricardo procura um vocalista para integrar a banda e acaba por conhecer Ney de Sousa Pereira que haveria de adotar o nome de Ney Matogrosso e Gerson Conrad que, aliás, era seu vizinho. É precisamente esta formação que em 1973 grava o primeiro disco e, num ápice vende mais de um milhão de cópias, conseguindo mesmo arrebatar os recordes até então alcançados pelo próprio “rei” Roberto Carlos. Aliás, o seu êxito dentro e fora do Brasil foi de tal ordem que, a propósito, conta-se o seguinte episódio cuja autenticidade não está assegurada: após o lançamento do primeiro disco, os “Secos & Molhados” receberam de um empresário americano uma proposta para efetuarem um lançamento semelhante nos Estados Unidos da América, ao que eles recusaram. Alguns anos decorridos, o público veria aparecer na cena mundial a banda Kiss, ostentando um visual em tudo semelhante aos “Secos & Molhados”…

O reportório da banda era constituída por um misto de canções políticas e performances teatrais a que alguns identificam como rock progressivo, uma simbiose de estilos que passam pelo jazz, o folk, o rock progressivo e ainda a chamada musica popular brasileira, marcando uma época pós-hippie na defesa do pacifismo e da libertação sexual. Aliás, quem não se recorda ainda da “Rosa de Hiroshima”, poema de Vinicius de Moraes musicado por Gerson Conrad que fez furor no espetáculo que realizaram em 1974, no Maracanãzinho do Rio de Janeiro.

A maior parte das letras do seu primeiro álbum foi da autoria de João Ricardo, incluindo também poemas de João Apolinário e Vinicius de Moraes. De resto, o “Secos & Molhados” inspira-se em acordes e melodias do folclore português bem patentes n’O Vira, procurando ao mesmo tempo fundir a música dos Beatles com a poesia de Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Vinicius de Moraes e João Apolinário entre outros autores. Certamente não existe quem não se recorde dos seguintes verssos:

                                      O gato preto cruzou a estrada,

                                      Passou por debaixo da escada

                                      E lá do fundo azul na noite da floresta

                                      A lua iluminou, a dança, a roda a festa

 

                                      Vira, vira, vira

                                      Vira, vira, vira homem

                                      Vira, vira

                                      Vira, vira lobisomem

 

                                      Bailam corujas e pirilampos

                                      Entre os jardins e as fadas

                                      E lá do fundo azul na noite da floresta

                                      A lua iluminou, a dança, a roda a festa

 

                                      Vira, vira, vira

                                      Vira, vira, vira homem

                                      Vira, vira

                                      Vira, vira lobisomem

 

Entretanto, como quase sempre acontece com a generalidade das bandas musicais que alcançam bastante sucesso, também os “Secos & Molhados” acabaram por se desintegrar em consequência dos conflitos de personalidade existentes entre os vários componentes do grupo. João Ricardo ainda tenta ressurgir a banda por duas vezes mas sem grande sucesso. É assim que surge em 1977 com a edição e um novo disco e, mais tarde, em 1980. Em 1981 é editado ainda um último disco de caráter mais revivalista, o qual apresenta gravações dos começos do grupo, altura em que realizam o concerto no Maracanãzinho. Uma vez dissolvido o grupo, João Ricardo prossegue a sua carreira a solo.

Carlos Gomes, in “Anunciador das Feiras Novas”, XXV, Ponte de Lima, 2008.

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