HÁ 20 ANOS, PARLAMENTO DEBATEU POLÍTICA DO MINISTÉRIO DA CULTURA PARA O FOLCLORE PORTUGUÊS
Deputado Fernando de Jesus (PS) afirmou que a Federação do Folclore Português contava com cerca de 2 mil grupos filiados
Na reunião plenária de 10 de Janeiro de 1997, da Assembleia da República, sob a presidência de João Amaral, o deputado Fernando de Jesus, do Partido Socialista, questionou o então Secretário de Estado da Cultura, Rui Vieira Nery, sobre a política do Ministério da Cultura para a área do folclore português. Também o deputado do CDS, Nuno Abecasis, solicitou um pedido de esclarecimento acerca dos apoios a conceder à cultura popular. Recuperamos aqui as referidas intervenções.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos passar à pergunta formulada pelo Sr. Deputado Fernando de Jesus, sobre a política do Ministério da Cultura para a área do folclore português, que será respondida pelo Sr. Secretário de Estado da Cultura.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Jesus, que dispõe de três minutos.
O Sr. Fernando de Jesus (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, durante a discussão do Orçamento do Estado tive oportunidade de colocar uma questão muito concreta, dirigida ao seu Ministério, perguntando que tipos de apoio estariam previstos para a construção de uma sede da Federação de Folclore Português.
Congratulo-me por saber que, desde essa data, contactos havidos entre a Secretaria de Estado e a instituição estão a dar alguns resultados, que julgo positivos, no sentido da resolução de alguns problemas que afligem a instituição.
No entanto, gostaria de colocar a questão num âmbito mais alargado, tendo em conta que é vasta a actividade da Federação de Folclore Português, nomeadamente a divulgação da cultura popular portuguesa, suas danças e cantares, no país e no estrangeiro, a preservação da etnografia regional e o trabalho técnico de acção pedagógica, que também desenvolve através da elaboração de cursos de formação, de colóquios, palestras, levantamento de usos e costumes, de danças e cantares.
Ainda no domínio da investigação, sei que esta instituição tem um trabalho bastante meritório, sendo, aliás, consultada e visitada por diversos investigadores de várias áreas culturais e sócio-profissionais, como jornalistas, professores dos ensinos básico e secundário, pessoas que estão a fazer mestrados e teses, para além de, por exemplo, este ano estar previsto desenvolver 200 festivais nacionais e estrangeiros. Tudo isto é conhecido e resta-me ainda dizer que a Federação Portuguesa de Folclore tem cerca de 2000 grupos espalhados pelo País, com solicitação permanente também no estrangeiro, sobretudo na Europa, onde os nossos emigrantes apreciam o folclore.
Assim, a pergunta que gostaria de lhe dirigir era a de saber, para além desta acção concreta, que tipo de outras políticas o seu Ministério pensa promover, dado que, e isso também é sabido, até hoje a Secretaria de Estado da Cultura sempre esteve de costas voltadas para esta actividade cultural, sendo certo que nunca houve qualquer tipo de contacto profícuo, pois esta é a primeira vez, tanto quanto sei, que a Secretaria de Estado dialoga com a Federação Portuguesa de Folclore e consegue estar disponível para eventuais colaborações.
Era, portanto, neste âmbito que gostaria que o Sr. Secretário de Estado desenvolve-se a sua resposta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura, que dispõe também de três minutos.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Rui Vieira Nery): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Jesus, a sua pergunta tem um núcleo duro, que é o da questão específica da Federação Portuguesa de Folclore, mas tem também um âmbito mais amplo, que é o da definição de uma política para o folclore.
De facto, esta questão é complexa, na medida em que o folclore é um domínio transversal a dois níveis: é transversal porque a sua problemática toca com as competências e atribuições de vários ministérios e de vários sectores da Administração Pública e é também transversal dentro do Ministério da Cultura, porque teríamos a opção de criar um ghetto folclórico, ou seja, criar um programa fechado dirigido exclusivamente ao folclore, mas pareceu-nos mais correcto, pelo contrário, cobrir o folclore em cada um dos programas adequados que existem no Ministério.
É, pois, este panorama que eu gostaria de traçar muito rapidamente. Um dos problemas principais é o das recolhas, que foram feitas ao longo de um século por investigadores como, por exemplo, Artur Santos e Michel Giacometti e que, de modo geral, têm estado dispersas e em condições de preservação inadequadas.
Neste momento, dentro do programa de intervenção discográfica do PIDDAC do Ministério da Cultura, estamos a negociar com diversas editoras no sentido de apoiar a reedição, em disco compacto, de algumas destas recolhas mais importantes.
Concretamente, estamos a negociar com a Editora Movieplay Portuguesa a edição das recolhas de folclore dos Açores, feitas por Artur Santos, e a renegociar com a editora representante da His Masters Voice para a reedição de uma série de gravações de recolhas feitas por Michel Giacometti e apoiámos já diversas edições de folclore não propriamente de Portugal mas que tem a ver com a tradição portuguesa nos vários países lusófonos, designadamente fizemos uma edição recente de folclore goês e algumas edições de músicas lusófonas de raiz folclórica.
Por outro lado, existem gravações antigas, em disco, que têm de ser salvas porque as fitas estão em degradação, e estamos também a negociar com as duas editoras que possuem arquivos maiores no sentido de cobrir o custo da aquisição de material Cedear para filtragem de gravações históricas e para transferência dessas gravações para suporte digital.
Além disso, o Museu de Etnologia, através das suas câmaras de frio, assegura a preservação de arquivos desse tipo e estamos também a procurar que, no âmbito do Programa ANIM - que, teoricamente, deveria ser virado para o cinema mas que pode ter uma vertente audiovisual mais ampla -, possa ser previsto um espaço de recolha, preservação e tratamento de gravações históricas não só de folclore mas também de todo o tipo de música ligeira que constitui o acervo discográfico português que é importante salvaguardar.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Estamos também empenhados no apoio directo à Federação do Folclore Português, com cujo presidente tivemos uma primeira reunião, à qual o Sr. Deputado teve a gentileza de dar a sua contribuição, que se traduzirá no reconhecimento do mérito cultural da federação, para lhe permitir potenciar os seus apoios, num apoio imediato para a aquisição de equipamentos e na instrução da candidatura que a federação pode fazer aos programas de apoio à construção da sua sede.
Quanto ao apoio directo aos agrupamentos de natureza folclórica, essa é uma das atribuições principais das delegações regionais do Ministério da Cultura. Naturalmente que se trata de uma atribuição que é partilhada entre ás delegações regionais e um conjunto de outras instituições locais, que essas delegações estão em condições de poder potenciar, como seja,...
O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Secretário de Estado, peço-lhe que termine.
O Orador: - ... os fundos comunitários, através da Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional, de cruzamentos com o INATEL e, naturalmente, com as autarquias, para além do apoio à investigação, tema de que terei também a ocasião de falar aquando da minha segunda intervenção.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Nuno Abecasis, para o que dispõe de um minuto.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Secretário de Estado, o problema do folclore é muito importante, já que toca a cultura do povo português e não é exclusivamente um problema histórico. Penso mesmo que para ser um problema nacional tem de ser um problema de vivência e do que me tenho apercebido ao longo do País é que não há folclore sem música, não há folclore sem bandas, e em cada dia este problema torna-se mais grave, porque, hoje, o custo dos instrumentos, como o Sr. Secretário de Estado, até por razões familiares, sabe bem melhor do que eu, é proibitivo.
Ora, as pequenas comunidades, onde melhor se pode desenvolver o folclore - até porque é esse o entretém das populações que, muitas vezes, não têm outras formas de ocupar o tempo -, têm enormes dificuldades na aquisição de material e há mesmo uma tendência para as bandas regionais do País acabarem por dificuldade de aquisição e de reparação de instrumentos musicais.
Lembro-me que quando o Dr. António Gomes de Pinho foi Secretário de Estado teve muita atenção a este aspecto e houve uma fase em que, de facto, foram dispendidos dinheiros públicos consideráveis na aquisição de instrumentos para reactivar bandas folclóricas. Depois, penso que se perdeu esse hábito e, nas deslocações que tenho feito pelo País, uma queixa que oiço frequentemente é a da extinção das bandas, da impossibilidade de produzir música local e, portanto, de manter também uma tradição que tem muito a ver com o folclore.
Gostava de saber, Sr. Secretário de Estado, se este é um problema que: está a considerar nos seus programas, porque, de facto, sem ovos é muito difícil fazer omeletas. Se calhar sem omeletas fazem-se ovos, agora sem ovos é que não se fazem omeletas e eu penso que esta omeleta é muito importante para a cultura nacional.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o entender, tema palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis: Na minha intervenção anterior, concentrei-me demasiado no aspecto da preservação, por se tratar de um aspecto extremamente importante. Há urna memória que, entretanto, está em grave risco de se perder e é muito importante preservá-la. Completando esse aspecto, queria referir que, além de tudo o mais, estamos a fazer algum investimento substancial na investigação, em cruzamento com as universidades e com a própria Federação Portuguesa de Folclore.
Quanto à questão posta pelo Sr. Deputado Nuno Abecasis, trata-se de um problema extremamente importante e de solução que deve ser considerada muito difícil, porque os custos de equipamento de uma banda, que há 20 anos andava por umas centenas de contos, hoje em dia anda pelas dezenas de milhares de contos. Por conseguinte, quando temos 2000 bandas - e estas são, mais ou menos, as listadas, porque depois há outras -, é evidente que qualquer intervenção nesta área vai sempre corresponder á uma forma parcelar, até porque há um problema de fundo, que é o de estarmos a dar subsídios para a compra de instrumentos e cates pagarem IVA, sem que nós tenhamos possibilidade de alterar a situação, visto que o IVA é uma decisão de natureza comunitária. Portanto, esse é um dos grandes problemas que temos em relação aos instrumentos em geral.
De qualquer maneira, estamos a intervir nessa área. Neste exacto momento está a decorrer um programa de reequipamento das bandas da região do Alentejo, subsidiado coro fundos de desenvolvimento regional mas promovido e coordenado pela delegação regional do Alentejo do Ministério da Cultura.
Ternos também apoiado a aquisição de instrumentos nas outras delegações regionais, embora com verbas menores, visto que aí é unicamente o orçamento do Ministério da Cultura que está a intervir, mas esperamos que o diálogo com o Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território permita, designadamente, cada vez roais, que as verbas que o Ministério da Cultura pode investir nesta área seja contrapartida nacional para um financiamento mais amplo, através das verbas de desenvolvimento regional, pois consideramos que esta é uma área de desenvolvimento e não uma área de mero entretenimento, já que qualifica a vida das pessoas, gera emprego, gera animação turística e, por conseguinte, tem um valor económico que pode ser usado na negociação com ruem tem mais dinheiro, neste caso, os programas comunitários. De qualquer maneira, estamos a intervir activamente nesse sector e é uma preocupação que partilhamos consigo.