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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEBATEU EM 1912 A CONSTRUÇÃO DA LINHA DE COMBOIO DE BRAGA A MONÇÃO

A discussão acerca da construção de uma rede de caminhos-de-ferro no Minho foi uma constante durante a Primeira República. Os resultados foram os que se viram…

Na sua sessão de 23 de Janeiro de 1912, o projecto-lei relativo à construção e à exploração dos caminhos-de-ferro no Alto Minho foi discutido na Câmara dos Deputados. Deixamos duas breves passagens, referindo-se a primeira à leitura do documento por parte do seu Presidente, António Aresta Branco e a segunda relativa à intervenção do deputado Simas Machado.

Na transcrição, respeitamos a grafia da época.

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O Caminho de Ferro de Guimarães por Braga a Monção sobe primeiramente a Serra da Falperra, que passa na Portela de Balazar, subindo 160m,90, entre as Taipas e aquela, com rampa média de 0m,02433, sem nunca ultrapassar 25 milímetros, num percurso de 6:614m,30, em rampa, para depois descer 156m,01 com 6:664m,16 em declive antes de subir 20m,80 para atingir Braga. O raio mínimo empregado foi a 100 metros, e a extensão total de Guimarães a Braga é de 28:734m,63.

De Braga em diante desce para o Cávado, havendo até a Ribeira de Sabariz 3:970m,21 em patamar, 3:796m,42 em rampas de 8:032m,04 em declive com inclinação média de 0m,02209, não excedendo nunca o limite de 25 milímetros por metro. E daí sobe até a Portela do Vade, na divisória do Cávado e do Lima, em terreno descoberto, vencendo 254m,93 de diferença de nível, só com l:484m,22 em patamar e 53m,95 em declive, para 10:763m,98 em rampa dentro do limite do 25 milímetros sem baixar do raio 100 metros em planta. Da Portela do Vade até o Lima nos Arcos de Valdevez o traçado é difícil, pois tem de descer 277m,80 o que obrigou a 12:606m,91 em declive para 4:276m,21 em patamar, e 2:704m,60 em rampa, sem nunca ultrapassar inclinação de 25 milímetros, nem baixar o raio alêm de 90 metros.

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Simas Machado era natural de Braga

O Sr. Simas Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra por causa dumas referências feitas pelo meu colega Rodrigo Fontinha. Antes, porêm, de me referir ao que S. Exa. disse, permita-me V. Exa. e a Câmara que eu felicite os signatários dêste projecto. E faço-o com tanto mais entusiasmo, quanto é certo que estive o ano passado na parte da província do Minho que vai ser beneficiada por êste caminho de ferro, podendo afirmar a V. Exa. e á Câmara que, quer no serviço de propaganda, que ali se fez, quer no serviço militar, conversando com aquele bom povo do Alto Minho, eu ouvi, frequentíssimas vezes, declarar-me que da melhor vontade se colocariam ao lado da República se os Governos republicanos tratassem, com mais cuidado dos seus interesses, do que os tinham tratado os monárquicos.

O que lhes ouvia pedir era Que os Governos republicanos lhe dessem estradas e escolas e o que é certo é que êles tinham carradas de razão; senão atenda V. Exa. no seguinte:

Quasi todas as freguesias importantes do concelho de Arcos de Valdevez estão ligadas a esta formosíssima vila por caminhos intransitáveis. A povoação de Cabreiros é já uma terra importante. Pois, Sr. Presidente, o caminho que a liga aos Arcos é perfeitamente um precipício. Atravessei-o, várias vezes, com alguns oficiais, - e o que é certo é que em alguns pontos, se escapasse uma pata ao cavalo, como os abismos se escancaram a um e outro lado do atalho, aí desapareceram cavalos e cavaleiros.

Eu, Sr. Presidente, quando passava por Ia ia sempre com o credo na boca. A minha lialdade leva me a confessar o seguinte: eu, na arte da gineta e da estardiota nunca fui forte, mas creio que os que me acompanhavam iam nas mesmas condições; quer dizer que os caminhos são realmente deploráveis. Emquanto isto estiver nestas condições, e absolutamente impossível que aqueles povos possam progredir, e possam estimar as instituições se por acaso a República não tratar com mais cuidado dos seus interesses, do que tratou a monarquia.

HÁ 100 ANOS, DEPUTADO RODRIGO FONTINHA INTERPELOU NA CÂMARA DOS DEPUTADOS O MINISTRO DO FOMENTO SOBRE AS OBRAS PÚBLICAS NO MINHO

Faz hoje precisamente 100 anos que o deputado Rodrigo Fontinha interpelou na Câmara dos Deputados o Ministro do Fomento, Estêvão de Vasconcelos, a respeito da situação das obras públicas na nossa região, mormente no que dizia respeito à construção de novas estradas e linhas de caminho-de-ferro. Publicamos o conteúdo da referida interpelação, bem assim a resposta do Ministro do Fomento ao deputado Rodrigo Fontinha.

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O Sr. Rodrigo Fontinha: - Sr. Presidente: o objecto da interpelação que anunciei é o seguinte: viação acelerada e ordinária em alguns pontos do distrito de Viana do Castelo.

Devo desde já dizer que não é meu intento tratar do assunto com aquele desenvolvimento que ele merece, porque, além de me faltar a competência, acho suficiente, na ocasião presente, chamar para ele a atenção do Governo e nomeadamente a do Sr. Ministro do Fomento.

Sr. Presidente: o Alto Minho tem sido, até hoje, votado ao mais completo e condenável desprezo pelos poderes públicos.

Não falando agora na falta de escolas, que todos sabem que existe, concelhos há pessimamente servidos e alguns até quasi completamente desprovidos de telégrafo, correio, estradas, caminhos de ferro, de tudo quanto é imposto pelas exigências da vida moderna, numa palavra, em condições dum tal abandono que, dir-se-hia, não pertencerem essas terras a Portugal, mas sim a alguma parte do sertão.

Restrigindo agora as minhas considerações à questão das vias de comunicação no Alto Minho, eu permito-me chamar a atenção do Sr. Ministro do Fomento para a maneira deplorável como tem sido tratado êste ramo da fazenda nacional naquela região.

Por várias vezes se tem reclamado providencias, nesse sentido, aos poderes públicos.

Reclamaram-se no tempo da monarquia, reclamações que não deram resultado algum, porque, como toda a Câmara sabe e era natural a monarquia, em vez de procurar satisfazer os justos interesses dos povos, tratava unicamente de lhes sugar a vitalidade.

Mas já na República se tem feito diversas representações sem que se tenha feito absolutamente nada, no sentido de atender às justas reclamações daquela região, onde a população é muito densa, onde o tráfego é grande, onde o solo é fertilíssimo, onde a natureza é de uma vegetação luxuriante sem igual, onde há inúmeras quedas de água, que convêm aproveitar para as indústrias, que ali estão num estado primitivo, onde é excelente, não só em qualidade, mas também em quantidade, a produção vinícola, onde há riquezas soberbas, que estão por explorar, por não existirem os meios de transporte, quer de estradas, quer de caminhos de ferro, que não só valorizariam extraordinariamente esses traços de terreno, mas seriam um elemento admirável para a mobilização de tropas, como creio estar cabalmente demonstrado pela última mobilização, na fronteira.

Sr. Presidente: quando se organizou o primeiro Ministério Constitucional, eu exultei de alegria e suponho que o mesmo aconteceu a todos os homens do Minho, por haver sido encarregado da pasta do Fomento, e digo-o sem espírito de lisonja, o Sr. Sidónio Paes, que, além de ser um homem de grande talento, é um minhoto, como eu, e que, como tal, conhece de vista aquela região, e saberia que não são exageradas as minhas despretensiosas considerações, em relação à viação acelerada no Alto Minho.

Foi por isso, que eu, como presidente da Câmara de Viana do Castelo, redigi uma representação na qual solicitava a atenção de S. Exa. para este ponto de tanta importância, de tanto valor económico e até de tanto valor político, porque, a meu ver, nenhuma propaganda a favor da República, pode ser profícua senão a propaganda pelo facto, meter pelos olhos dentro àqueles campónios, simples, que, se é certo que a monarquia gastava os dinheiros públicos em manigâncias de toda a ordem, não acontece o mesmo com a República.

Nessa representação lembrava-se a S. Exa. a necessidade de que fosse concluída a linha-férrea de Valença a Monção, já construída em grande parte, com várias estações, sob pena de se retardar o desenvolvimento económico dos povos de uma região tão fértil.

Alem disso estão-se estragando duma forma deplorável as obras já feitas.

Na mesma representação aludia-se também ao projectado caminho-de-ferro do Alto Minho, de Braga a Guimarães, de Braga a Monção, de Viana do Castelo a Ponte da Barca e dos Arcos a Monção, caminho-de-ferro esse cuja construção foi adjudicada por concessão, em 1907, à firma Canha & Formigai que, segundo um relatório publicado há meses, tem 50:000$000 réis em depósito para garantia do contracto, e alem disso já gastou mais de 400:000$000 réis em trabalhos, estudos, material, expropriações, etc.

Também se falava na mesma representação do ramal da estação de Viana para a doca, que o Estado pode construir afoitamente, sem receio de espécie alguma, porque os resultados que daí auferirá são positivamente seguros, pois é relativamente grande o movimento principalmente de toros de pinheiro, de peixe, de vinho verde, etc., para embarque.

Também se falava na estrada distrital n.º 2, da Praia de Ancora a Lanhezes, começada há mais de vinte anos, e de que faltam apenas uns 3 quilómetros e alguns metros para ser concluída. Esses terrenos serão muito facilmente macadamizados.

Idêntica sorte teve uma outra estrada de Ponte do Lima a Paredes de Coura, e que falta pouco para ser concluída, o que exigiria uma verba diminutíssima.

A primeira vista parece que pedir isto tudo ao mesmo tempo, é de mais, é impertinente, mas não é; tudo isto foi já reclamado por muitas vezes e já há muitos anos, e alem disso porque tais obras constituiriam um elemento admirável de riqueza para aquela região e, portanto, para todo o país.

O Ministério do Sr. João Chagas caiu, e vi com mágoa sair da pasta do Fomento o Sr. Sidónio Paes, que já tinha prometido uma viagem ao norte, para tomar conhecimento mais preciso e mais exacto destas e doutras necessidades urgentes, como sejam as obras do porto e doca de Viana do Castelo.

Isto não significa um desprimor para o actual Ministro do Fomento, pois S. Exa. é dotado de excepcionais qualidades de trabalho, tem um fundo nobilíssimo, tem um acendrado patriotismo e desejo de que todo o país progrida, sem restricções para as terras pequenas, porque a despeito de serem pequenas, e terras de província, nem por isso deixam de ser parte deste todo chamado Pátria. (Apoiados).

E, pois, a S. Exa. que me dirijo, pedindo para que, se é possível, me esclareça sobre os seguintes pontos:

Porque razão estão paralisadas, e até que tempo estarão paralisadas, as obras do caminho de ferro de Valença a Monção, onde estão gastos mais de 700:000$000 réis, segundo informações que tenho, despesa esta que não dá rendimento absolutamente nenhum a ninguém, e antes pelo contrário, está empatando e está obrigando o Estado ao pagamento de juros? E o que é pior é que aquilo que está feito, está-se deteriorando por uma forma lastimável?

Com relação ao caminho-de-ferro do Alto Minho, eu desejava ser esclarecido sobre o seguinte:

Porque motivo, em relação á rede dos caminhos-de-ferro do Alto Minho, não tem sido dada solução à questão posta em 1908 pela firma adjudicatária, Ganha & Formigal?

Naturalmente responde-se-me que o que a firma agora deseja é diferente do que estava no contracto primitivo.

A tal respeito direi que é necessário atender às vantagens e desvantagens das modificaç5es que a firma agora propõe.

Desvantagem não vejo absolutamente nenhuma, porque a distância de Viana do Castelo para Ponte da Barca é sensivelmente a mesma, quer se faça o traçado pela margem direita, quer se faca o traçado pela margem esquerda, e as vantagens são grandes, porque a firma diminui o limite máximo das pendentes, o que é importante, aumenta o limite mínimo das linhas de curva, o que é também importante, reduz o prazo, de sete a cinco anos, para a construção do troço de Arcos de Valdevez a Monção, e agora propõe a construção de uma ponte em Lanhezes, para comunicar a margem esquerda com a margem direita e, alem disso, compromete-se a fazer uma estação de recreio, para o turismo, em Santa Luzia, que é um ponto formoso, e que há-de vir a ser um elemento de riqueza para aquela terra.

Por isso julgo que há tudo a lucrar com a mudança do traçado.

Desejava saber porque não se permite a essa firma a emissão de obrigações de que ela necessita para fazer essa construção, se o juro é garantido e a amortização também é assegurada?

Naturalmente respondem-me que o Código Comercial o não permite, mas exemplos desses temo-los frequentíssimos. Poder-me hão objectar que um erro não justifica outro erro.

É para obviar a isso que elaborei um projecto de lei, que vou mandar para a mesa, que vai assinado pelos Deputados do distrito, e que, a meu ver, remedeia o mal.

Parece-me que o Estado em nada se prejudicaria com a permissão da emissão das obrigações.

Desejava também saber porque não se permite a fusão das empresas de caminhos de ferro do Porto a Famalicão e da Trofa a Guimarães e Fafe com a do Alto Minho, fusão que já foi admitida, em princípio, em 1909, e que, a meu ver, seria de grande importância, porque, por um lado, põe de parte a inconveniência que há em haver uma linha comum entre a Trofa e Lousado, e por outro lado alarga a linha da Póvoa, que é estreitíssima, assim como, pela exploração do ramal chamado da Senhora da Hora, canalizar se há para o porto de Leixões um tráfego enorme.

Devo dizer que não tenho procuração da firma Canha & Formigal para aqui advogar a sua causa; o que desejo é que a obra se faça. Pouco importa aos Deputados pelo distrito de Viana do Castelo que seja a firma Canha & Formigal que faça a construção, que seja qualquer outra empresa, ou que seja mesmo o Estado, mas não creio que tal suceda; o que desejo é que a obra se faça, não importando nada com quem a tenha de fazer.

Porque não se autoriza também a construção do ramal da estação de Viana à doca, ramal sôbre que, me disse o Sr. engenheiro Bazílio da Silva Pinto, o Conselho Superior dos Caminhos de Ferro do Estado já tinha dado parecer favorável e cujos interesses para o Estado são seguros?

Porque não estão ainda construídos os 3 quilómetros que faltam, da estrada a macdam da Praia de Âncora a Lanheses, tanto mais que já estão feitas expropriações no valor de 700$000 réis e ainda há na verba respectiva mais de 3:000$000 réis de saldo positivo?

Porque não se conclui também a estrada distrital n.º 1, de Caminha a Melgaço, cujos trabalhos estão completos no concelho de Caminha, quási todos em Paredes de Coura e a que falta só uma parte em Arcos de Valdevez, para depois ser levada até Melgaço?

Esta estrada é importantíssima não só pelo movimento comercial, como até pela razão de defesa do país, e por isso a sua conclusão é urgente.

Esta estrada traria para aquela região um benefício enorme, porque a poria em contacto com centros mais civilizados, os habitantes da Gavieira, Penedo, Suajo, etc., que vivem num estado quási primitivo.

É possível que o Sr. Ministro do Fomento não possa responder de pronto a todas estas perguntas, nem isso mesmo eu exigo. Basta-me que S. Exa., que é um homem de bem, me dê a sua palavra de honra de que estudará com atenção o assunto e que procurará resolvê-lo no mais curto espaço de tempo.

Terminando, peço a S. Exa., em nome dos habitantes daquela região, que, na primeira oportunidade a visite, para ver com os seus próprios olhos quanto estas reclamações são justificadas, e como isto é uma questão de justiça, porque, se não fôsse, nem uma palavra sairia da minha boca.

Mando para a mesa o meu projecto.

Tenho dito.

O Sr. Ministro do Fomento (Estevão de Vasconcelos): - Agradece ao Sr. Rodrigo Fontinha a forma gentil como se lhe dirigiu, tratando da questão sob o ponto de vista geral, e não exigindo dele, orador, uma resposta pormenorizada, ainda que se tinha prevenido com os elementos precisos para lhe dar uma resposta completa.

Começará pelas estradas.

Não há dúvida alguma de que S. Exa. tem razão em tudo o que disse. Todos os Deputados, tanto os do Alto Minho, como os do Algarve, os do Alemtejo e os da Estremadura podem dizer que as suas regiões têm sido votadas ao maior despreso por parte dos poderes públicos. Na questão de estradas, porém, é necessário que o Parlamento e o país conheçam as circunstâncias em que se encontra o Ministério do Fomento, para que não se lhe atribuam responsabilidades que sejam absolutamente injustas e descabidas.

A Câmara e o país ficarão completamente inteirados de quais são as responsabilidades que no assunto estradas podem caber ao Ministro do Fomento, desde que êle, orador, lhe leia os elementos que ainda hoje lhe foram fornecidos pela sua Secretaria.

"Sabe a Câmara qual é a verba necessária para a reparação imediata de todas as estradas que carecem de reparação? 2.000:000$000 a 3.000:000$000 réis." E sabe qual é a verba que para esse fim está inscrita no orçamento? 600:000$000 réis. Esta verba, que só para as pequenas reparações seria insuficiente, para as grandes reparações é manifestamente insignificante.

E sabe também qual seria a verba necessária para se completar a rede da viação, tal como está estudada? 25:000 contos de réis.

E quer saber quanto para isso está inscrito no orçamento? 300 contos apenas.

É necessário que isto se diga, não só para que não pesem sobre os seus antecessores responsabilidades que lhes não cabem, como para que todos saibam que não está na mão do Ministro mandar proceder a todas as obras, embora elas sejam indispensáveis.

Relativamente a Viana do Castelo, deve dizer que esse distrito não é dos que tenham maior razão de queixa. Afirmou-lhe perentóriamente o Sr. Director das Obras Publicas que a reparação de estradas nesse distrito se pode considerar regular, e que no Orçamento tem inscrita a verba de dezoito contos de róis.

Para a estrada de Caminha a Melgaço, pode informar S. Exa. de que está destinada a verba de 800$000 réis.

Quanto a caminhos-de-ferro, a resposta é quási a mesma.

£ Porque não se conclui o caminho-de-ferro de Valença a Monção? Perguntou S. Exa. Porque, segundo a informação de Conselho da Administração dos Caminhos-de-ferro do Estado, que lê à Câmara, embora os trabalhos estejam muito adiantados, são ainda precisos 80:000$000 róis para os concluir. Se no fundo dos Caminhos-de-ferro houvesse disponibilidades para essa construção, ele poderia estar concluído dentro de oito meses, mas as suas receitas estão hipotecadas a um empréstimo.

Para essa construção, como para outras igualmente urgentes, se fazer, era necessário contrair um grande empréstimo, mas para isso é necessário primeiro consolidar o crédito do país, o que só se conseguirá desde que todos compreendam os seus deveres e responsabilidades de bons patriotas.

Sobre este assunto fala desafrontadamente, porque num aviso prévio que realizou a um Ministro da monarquia sobra caminhos-de-ferro, disse que era necessário desenvolver a viação acelerada, porque sem isso não era possível melhorar as condições económicas do país.

O fundo especial de caminhos-de-ferro tem aumentado consideravelmente, mas por mais que ele aumente é materialmente impossível realizar todos os caminhos-de-ferro que seria necessário construir.

Referiu-se S. Exa. também à rede do Alto Minho e à respectiva concessão.

Antes de responder a S. Exa. deseja rectificar uma informação que viu publicada no jornal O Século. Efectivamente, ele, orador, foi procurado por um representante da firma concessionária dessas linhas, teve com ele uma larga conversa, mas não lhe disse o que o Século lhe atribui "que estranhava a demora que tinha havido na resolução do assunto". O que disse foi que estudaria o assunto e que procuraria resolvê-lo o mais rapidamente possível.

Foi isto o que disse, nem podia ser outra cousa, pois o contrário seria uma censura dirigida aos seus antecessores, o que ele seria incapaz de fazer, porque reconhece quanto a questão é escabrosa.

O que o conselho de administração dos caminhos-de-ferro diz a este respeito é o que ele, orador, lê à Câmara.

A questão, como o Sr. Deputado Fontinha vê, não é fácil de resolver, mas se S. Exa. no projecto que mandou para a mesa o consegue, ele, orador, muito prazer terá em o votar.

COMUNIDADE GALEGA EVOCA ALFREDO GUISADO

O Prof. Doutor Carlos Pazos Justo, da Universidade do Minho, proferiu hoje na Xuventude de Galiza – Centro Galego de Lisboa uma palestra subordinada ao tema “Alfredo Guisado e a colónia galega de Lisboa”. A ocasião serviu também para apresentar o seu último trabalho intitulado “Traxectoria de Alfredo Guisado e a sua relacion com a Galiza” (1910 – 1921) ”.

A iniciativa teve lugar na Biblioteca Manuel Cordo Boull e contou ainda com a participação do Prof. Doutor Emilio Cambeiro, da Uiversidade Nova de Lisboa e de Antonio Guisado, familiar de Alfredo Guisado, poeta e jornalista português de ascendência galega.

PAREDES DE COURA CELEBRA BEATO REDENTO DA CRUZ

O Concelho de Paredes de Coura celebra hoje um dos seus filhos mais célebres, o Beato Redento da Cruz, que foi mártir em terras que pertencem actualmente à Indonésia, numa altura em que o domínio filipino atraía sobre os domínios portugueses a cobiça dos inimigos de Espanha, mormente dos holandeses que procuraram apoderar-se da região.

Com a devida vénia, reproduzimos o artigo publicado no blog “Paredes de Coura – Terra com Alma” em http://paredesdecoura.blogs.sapo.pt/43464.html

MEMÓRIA DO BEATO REDENTO DA CRUZ

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A 29 de Novembro celebra-se a memória do Beato Redento da Cruz, courense, religioso e mártir. Lembrado na Diocese de Viana do Castelo, na Ordem Carmelita e na Ordem dos Carmelitas Descalços.

O Beato Redento da Cruz, nasceu no lugar de Lizouros, freguesia de Cunha, com o nome de Tomás Rodrigues da Cunha, sendo filho de Baltazar Pereira e de Maria da Cunha.

Faleceu, sofrendo martírio, a 29 de Novembro de 1638, em Achém, na ilha de Samatra, na Indonésia.

Beatificado pelo Papa Leão XIII a 10 de Junho de 1900.

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Monumento em honra do Beato Redento da Cruz, inaugurado em 1998 no lugar de Abróteas, freguesia de Cunha, aquando as comemorações do IV Centenário do seu nascimento.

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Da pagela publicada pela Igreja:

“Vida do Beato Redento da Cruz

Redento da Cruz, no século Tomaz Rodrigues da Cunha, português, nobre por ascendência, nascido em 1598, era filho de Baltazar Pereira e D. Maria da Cunha, e natural da povoação de Lizouros, freguesia de Santa Maria da Cunha, concelho de Paredes de Coura.

Ainda adolescente partiu para as Índias orientais e, seguindo a carreira das armas, foi Capitão da guarda da cidade de Meliapor; porém depois tomou o hábito dos irmãos conversos na Ordem dos Carmelitas Descalços.

Como se fosse insigne na piedade e suavidade de costumes, foi destinado aos lugares de porteiro e sacristão em vários conventos.

Tendo desempenhado estes cargos com a maior perfeição, foi finalmente, por ordem dos superiores, dado como companheiro ao Beato Dionísio, que partia para a Ilha de Samatra, missão que recebeu de ânimo tanto mais alegre que, por uma inspiração quase divina, pressentira que lhe era seguro caminho para o martírio.

Chegando porém á ilha, foi carregado de ferros com o Beato Dionísio e todos os companheiros, e reduzido à escravidão. Coube-lhe em sorte um senhor feroz que depois de o ter atormentado com todas as espécies de vexames e tormentos, rapada a cabeça, barba e sobrancelhas, o expôs ao ludíbrio dos infiéis; ligou-lhe os pés com ferros de arestas vivas e pôs-lhe a vida em grande risco com acerbíssima fome.

Tudo isto, Redento sofreu intrepidamente, e não temeu resistir ao próprio rei que pretendia abalar a sua constância.

Levado finalmente à praia do mar com os restantes confessores da fé, foi o primeiro de todos que, alvejado com setas e trespassado com espadas e lanças envenenadas, morreu mártir.

Sobre os corpos dele e dos restantes mártires, que conjuntamente pereceram, enquanto estiveram insepultos, várias vezes durante a noite, com grande admiração dos infiéis e hereges, foram vistos brilhar esplendores de luz e ouvidos celestes concertos.

O que tudo devidamente provado, o Sumo Pontífice Leão XIII, no ano do jubileu de 1900, inscreveu Dionísio da Natividade e Redento da Cruz no catálogo dos Bem-aventurados Mártires.

(Do antigo Breviário Bracarense)

Oração

Ó Deus, que por admirável disposição conduziste os bem-aventurados Dionísio e Redento, através dos perigos do mar, à palma do martírio, concedei-nos, pela sua intercessão, que entre as dissipações e desejos deste mundo, permaneçamos fiéis até á morte na confissão do vosso nome. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo.

Amén

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Painel de azulejos existente na Casa Grande de Paredes de Coura

PROFESSORES DO CONCELHO DE VILA VERDE: CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO PARA EFEITOS DE APOSENTAÇÃO DEBATIDO NO PARLAMENTO

Ao tempo da Primeira República, quase tudo era decidido na Câmara dos Deputados que era como então se designava o parlamento. Os aspectos relacionados com a contagem do tempo de serviço de um grupo de professores do Concelho de Vila Verde para efeitos de aposentação subiram então a plenário na sessão realizada em 22 de Maio de 1913, sob a Presidência de José Augusto Simas Machado. Tratou-se de uma sessão nocturna que teve o seu início às 21h55, prática usual à época.

Pelo carácter bizarro que a situação se apresenta decorrido quase um século e pela curiosidade que a mesma possui nomeadamente para quantos exercem a profissão de professor e, de um modo geral, fazem os seus descontos para a Caixa Geral de Aposentações, transcreve-se do Diário da Câmara dos Deputados as passagens que dizem respeito ao problema levantado.

Parecer n.º 187

Senhores Deputados - A vossa comissão de instrução primária e secundária, apreciando o projecto de lei n.º 153-A, da iniciativa do Sr. Deputado Joaquim José de Oliveira, é de parecer que deveis aprová-lo com a seguinte redacção:

Artigo 1.° É contado, para os efeitos de aposentação, o tempo de serviço prestado por professores diplomados em escolas primárias não oficiais, que hajam sido depois convertidas em escolas oficiais, contanto que êsses professores contribuam para a Caixa de Aposentações com as cotas correspondentes ao período em que fizeram serviço naquelas escolas.

Lisboa e sala da comissão de instrução primária e secundária, em 8 de Maio de 1913. = António José Lourinho = José Vale de Matos Cid = Vitorino Godinho = Tomás da Fonseca, relator.

Projecto de lei n.° 153-A

Senhores Deputados. - Abel Augusto de Almeida e sua mulher, Rosa de Sousa Ribeiro Araújo, são professores das Escolas Leonardo, situadas no lugar de Palmas, freguesia de Parada de Gatim, concelho de Vila Verde.

Estas escolas foram criadas pelo falecido conselheiro Leonardo Caetano de Araújo, e, por decreto de 11 de Julho de 1905 (Diário do Govêrno n.º 105), rectificado no Diário do Govêrno n.º 261, de 15 de Novembro do mesmo ano, foram convertidas em escolas oficiais, tendo aqueles professores, que então exerciam nelas o magistério, sido nomeados pelo mesmo decreto, para o magistério oficial.

O professor exercia as funções desde 18 de Julho de 1892 e a professora exercia-as desde l de Agosto de 1890, tendo prestado ambos excelentes serviços á instrução.

Pretendem aqueles professores, e isto é extremamente justo, que o tempo decorrido desde a data em que começaram a prestar serviço naquelas escolas oficiais lhes seja contado para os efeitos de aposentação, logo que contribuam para a Caixa de Aposentações com as cotas correspondentes àqueles períodos, e por isso apresento á vossa apreciação o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É contado, para os efeitos de aposentação, o tempo de serviço prestado pelos professores das escolas Leonardo, situadas no lugar das Palmas, freguesia de Parada de Gatim, concelho deVila Verde, Abel Augusto de Almeida e Rosa de Sousa Ribeiro de Araújo, anteriormente a terem aquelas escolas sido consideradas oficiais, respectivamente desde 18 de Julho de 1892 e de l de Agosto de 1890, logo que os mesmos contribuam para a Caixa de Aposentações com as cotas correspondentes a êsses períodos.

Art. 2.° É revogada a legislação em contrário.

Palácio do Congresso, em 14 de Abril de 1913. = O Deputado, Joaquim José de Oliveira.

Foi lido na mesa, assim como uma proposta de substituição da comissão de instrução primária e secundária.

Foi aprovado, sem discussão, na generalidade, entrando em discussão na especialidade.

O Sr. Germano Martins: - Como me parece que os professores de instrução primária só foram obrigados a concorrer para a Caixa das Aposentações duma certa época em diante, desejava que alguém me informasse a êsse respeito, para que êsses professores não fiquem em condições de desigualdade para com os seus colegas.

Neste sentido, vou mandar para a mesa uma proposta.

Aditamento

Proponho o seguinte aditamento ao artigo 1.°:

"...e desde que, por lei, foram obrigados a concorrer os professores primários para a referida Caixa" = Germano Martins.

O orador não reviu.

O Sr. Joaquim de Oliveira: - Concorda com a substituição da comissão, mas é preciso que os professores, que exerciam as suas funções em escolas não oficiais, não fiquem em melhores condições do que os seus colegas que já eram considerados oficiais. Por isso concorda tambêm com a proposta que vai mandar para a mesa o Sr. Germano Martins.

O discurso será publicado na íntegra quando o orador restituir as notas taquigráficas.

Foi lido na mesa e admitido o aditamento do Sr. Germano Martins.

O Sr. Vitorino Godinho (por parte da comissão de instrução pública): - É para dizer a V. Exa. e à Câmara que a comissão aceita a proposta apresentada pelo Sr. Germano Martins. Efectivamente podiam alguns professores encontrarem-se em exercício desde 1892 ou mesmo anteriormente, e só terem sido obrigados a descontar para a Caixa de Aposentações desde 1895, e não era justo que ficassem em desigualdade de circunstâncias.

O orador não reviu.

Foi aprovada a emenda do Sr. Germano Martins.

Foi aprovado o artigo 1.º com a emenda.

Foi aprovado o artigo 2.° sem discussão.

PINTORA RICARDINA SILVA EXPÕE EM TOMAR

A pintora Ricardina Silva vai a partir do próximo dia 3 de Dezembro expor as suas obras na Galeria da Livraria Ao Pé das Letras, em Tomar. Este espaço encontra-se situado na Praça da República nº 11 e a mostra ficará patente até ao dia 30 de Dezembro. A Exposição, com entrada livre, pode ser visitada das 10h às 13h e das 15h às 19h, de Segunda a Sábado.

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Ricardina Silva expôs recentemente em Ponte de Lima e Paredes de Coura, tendo vindo a apresentar os seus trabalhos com grande sucesso nomeadamente em Ourém, tendo já agendadas exposições noutros pontos do país. As suas obras de carácter Surrealista e Realista e abordam várias temáticas. O título “Transformação” com que identifica a exposição significa que a artista está a passar por uma fase de mudança. É como uma viragem, uma descoberta da sua própria identidade e, à medida que o tempo avança, com uma vontade imensa de usufruir de um estilo próprio, explora os materiais, explora o desenho, explora as cores e a sua intensidade e essência com um simples objectivo: a transformação.

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Ricardina Silva nasceu em Esposende e vive actualmente em Leiria. Como ela própria refere, “desde tenra idade que adorava desenhar apenas com um lápis e uma folha branca, guardava todos os desenhos num dossier”. Aos dezassete anos experimentou a pintura sobre tela em acrílico.

Em 2006 realizou a primeira exposição e, a partir de então nunca mais parou. Sucederam-se os concursos e as bienais, passou a experimentar outras técnicas como a pintura a óleo, mista, pastel, aguarela e os desenhos começaram a ser realizados a carvão e grafite.

Para a artista, “cada obra é como um poema harmonioso, de cores luminosas que transparecem num clima rimático e transmitem a paz interior que desejo. Quando realizo um desenho ou uma pintura entrego o meu coração… a minha alma. É como se viajasse para um sítio maravilhoso e mágico, onde não existe o sofrimento, mas sim alegria e cor. Normalmente, para a realização das minhas obras utilizo diversas técnicas como o óleo, o acrílico e a mista. Apesar do diversificado leque de temáticas que já executei, nas minhas obras a que predomina é a do mar, remontando às minhas origens”.

O MINHO NA INTERNET: RESPIRE FUNDO! ESTÁ EM VILA VERDE!

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“Respire Fundo! Está em Vila Verde!” é um blogue bem estruturado que divulga o Minho em geral e o Concelho de Vila Verde em particular, dando a conhecer muitos dos acontecimentos que constituem o quotidiano social e cultural na nossa região. Na realidade, trata-se de uma jornal regional em formato digital que se encontra no endereço http://vila--verde.blogspot.com/

O MINHOTO E A CONCERTINA

Sempre que emigra, o minhoto leva consigo a concertina que o ajuda a manter viva a sua alma alegre e jovial. Mesmo nos momentos mais penosos como as que ocorreram desde a segunda metade do século dezanove, que os levava a aventurarem-se clandestinamente nos porões dos navios que os levaram ao Brasil para aí começarem uma vida nova, por vezes na miragem de um rápido enriquecimento, era ainda a concertina que afagava as tristezas de uma existência difícil e lhes redobrava as energias com seus acordes vivos que logo os predispunham para dançar o vira e a chula, a gota e o picadinho. E essa alegria contagiante do minhoto depressa envolvia outros portugueses que partilhavam a mesma sorte de emigrante e assim, à volta de uma concertina, todos se sentiam como fazendo parte da mesma família que é, afinal de contas, o verdadeiro significado do conceito de nação.

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A concertina é um instrumento popular que teve a sua origem na Europa por volta de 1830 e faz parte dos membrafones ou seja, dos instrumentos musicais que produzem o seu som graças à actuação de uma membrana. Estou convencido de que não existe método nem escola para se proceder à sua aprendizagem, facto que tem sido responsável pela sua gradual substituição pelo acordeão nos últimos tempos, sobretudo entre os grupos folclóricos portugueses. Não obstante e apesar da sua leve aparência, o acordeão produz uma sonoridade completamente distinta da concertina, pois tratam-se na realidade de dois instrumentos distintos. No entanto, existem acordeões que possuem como alternância o som da concertina, bastando para o efeito accionar um botão específico. Com efeito, em virtude da evidente falta de tocadores de concertina, muitos grupos folclóricos optam pela substituição deste instrumento pelo acordeão, o que se na realidade não satisfaz constitui por vezes a única forma de viabilizar a existência desses agrupamentos.

A ameaça de desaparecimento da concertina coloca um problema sério principalmente ao folclore, sobretudo da região de Entre-o-Douro-e-Minho. É que, sem o toque da concertina desaparece toda a sonoridade que caracteriza a música desta região e tudo se altera, como se o minhoto perdesse a sua pronúncia característica ou a música tradicional passasse a ser interpretada por meio de modernos instrumentos electrónicos. É que, por melhor executada que fosse, o vira jamais seria o mesmo!

A preservação do uso e conhecimento da concertina coloca um problema sério aos grupos folclóricos e, em geral a todos aqueles que desejam manter vivas as nossas tradições populares. Importa saber como poderá manter-se a continuidade da sua utilização sabendo-se que o seu ensino não é ministrado. Naturalmente, a sua aprendizagem pela sensibilidade auditiva passa pela prática do uso nos grupos folclóricos, embora sabendo-se que a formação de um excelente tocador é demorada e coloca algumas dificuldades na própria actuação dos grupos. Mas, entre uma solução atamancada que vai adulterar a sonoridade original da música e a possibilidade de dar continuidade ao emprego da concertina, importa escolher a melhor opção. E essa terá de ser necessariamente a que melhor aproveita ao folclore português.

Carlos Gomes in http://www.folclore-online.com/

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O RIO ÂNCORA, EM S. LOURENÇO DA MONTARIA, OFERECE PAISAGENS DE RARA BELEZA

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A revista Illustração Portugueza nº 97, de 11 de Setembro de 1905, publicou duas interessantes fotografias do rio Âncora. Na foto acima, podemos observar um engenho de serragem aproveitando a força motriz da corrente do rio à semelhança de uma azenha. Abaixo, vemos o Pincho ou Ferida Má que constitui a área das lagoas e cascatas, entre Amonde e S. Lourenço da Montaria, um local de uma beleza indescritível que merece ser visitado. Mais de um século decorrido, é caso para comparar o que mudou ao longo deste tempo no rio Âncora.

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COMO VIVIA O MINHOTO NOS COMEÇOS DO SÉCULO PASSADO?

Sob o título “Como vive e de que vive o agricultor do Minho”, a revista “Ilustração Portugueza”, na sua edição nº 9 da II Série de 1906, publicou uma extensa reportagem da autoria de F. Neves Pereira, fazendo um retrato social do Minho nos começos do século XX, descrevendo o modo de vida das suas gentes no ambiente rural e, sobretudo, das dificuldades que enfrentava para sobreviver sem perder a alegria da vida. Pelo seu interesse sociológico e também etnográfico, reproduzimos aqui algumas passagens do trabalho publicado naquela revista.

“No único aposento da casa, coberta de colmo esburacado ou telha vã, de rudes paredes de pedra sobreposra, por cujas fendas entra o frio e o vento, nasce, sem assistência de parteira, no mesmo catre bárbaro do noivado, a creança minhota. Uma hora antes de dar á luz, a mãe pôz ao fogo do lar a trempe de ferro com agua para o banho. O marido está nos campos a sachar, a lavrar ou a podar as vinhas. Vae uma visinha chamal-o para ver o filho, que nasceu. No dia seguinte é o baptisado. Quatro dias depois, a mãe apparece na eira com o filho ao colo. Passada uma semana, leva-o com sigo para o campo ou para o monte. Durante dois annos, – ás vezes mais, – lhe dá o seio. Já o pequeno come boroa e ainda mama. Exposta ás intempéries, ao calor e ao frio, ao sol e á chuva, como um animalsinho bravio nascido no monte, sob uma lapa, a creança ou succumbe ou fortalece. As mais das vezes cria-se, resistente e forte, n’esse severo regímen de selecção natural. Apartada do leite, é então invariavelmente abandonada á educação do proprio instincto. Aos cinco annos ensinam-lhe a resar. Aos sete annos confiam-lhe a guarda dos bois. A creança passa já os dias no monte, solitária, pastoreando o gado. O monte é a sua primeira escola e quasi sempre a única. Aos dez annos, começa a preparar-se para a communhão, indo á doutrina. Aos doze annos communga. E a vida de trabalho ininterrupto principia. Rapaz ou rapariga, que já é de communhão, é uma creatura emancipada. Se os pães são pobres, vão servir. Se são filhos de um lavrador remediado, fazem em casa o tirocínio árduo da lavoura. O creado de servir começa por ganhar a soldada de dois mil réis por anno e os usos. Mais tarde, dos dezoito aos vinte annos, chegam a ganhar, os mais diligentes, ao serviço de lavradores mais abastados, três moedas. Mas esta soldada é um fenómeno. Os usos variam com a edade dos serventes: uma a três camisas de estopa, um ou dois pares de calças de cotim ou saias de riscado, um collete e uns tamancos. Aos rapazes, as amas, por contracto, remendam-lhes e lavam-lhes a roupa.

As relações entre estes servos pobres e estes amos tão pobres como elles são familiares sem isenção de respeito. O minhoto tem, como o romano, seu antigo senhor, a noção innata da hierarchia.

Por volta dos vinte e dois annos, o moço de lavoura, tendo concluído a sua aprendizagem, e livre de soldado, casa-se. É tão raro ficar um lavrador ou lavradeira sem casar como haver moço que não lucte tenazmente, para se furtar ao tributo do sangue. O casamento é no Minho a base essencial á independência. Moço ou moça que não case fica condenado a servir toda a vida ou a trabalhar a jornaes. Toda a economia social d’esta vasta província portugueza assenta sobre a constituição da família. Quando se fizer o estudo social minucioso, que de há muito devera estar concluído, da população do reino, ver-se-há que a densidade do Minho, a intensidade das suas culturas e a sua imensa capacidade tributária derivam do seu regímen familiar. D’ahi e porque a caserna contamina o minhoto com o desprezo pela labuta da terra e lhe predispõe o organismo para exigências maiores de alimentação, de vestuário e de conforto, o recusarem systematicamente os pães a mão das filhas a todo o pretendente que um dia vestiu farda. Ter sido soldado, ter comido o rancho, ter dormido n’uma tarimba, é ser um repudiado. O soldado conheceu no quartel uma vida melhor. Esse passado afasta-o da communhão dos rústicos. Implacavelmente, o campo expulsa-o para a cidade, de onde elle veiu. Por isso o lavrador se despoja de quanto tem para livrar o filho de soldado e casal-o. O casamento é a aspiração unânime, o fim para que tendem todos os esforços, o premio conquistado com as canceiras as mais indescriptiveis, quando, afinal, esse casamento representa apenas a pobreza a dois, o trabalho a dois. O idyllio, meio sensual e meio lyrico, iniciado nas romarias, nas desfolhadas e no adro da egreja, termina com a boda para se converter n’uma obstinada refrega pelo pão.

Ordinariamente, a noiva leva para o casal um cordão e umas arrecadas de oiro e o noivo as alfaias indispensáveis para o grangeio das terras. Os parentes e os amigos offerecem aos esposados, este duas gallinhas, aquelle uma raza de milho ou de centeio, outros dois afuzaes de linho, um colher de ferro para a panella, meia dúzia de tigelas ou de pratos de barro, meio alqueire de feijão, a pá para o forno, um molho de lenha… Se um delles é filho de lavrador abastado, este abona-lhes o gado: uma junta de bois medianeirinhos para principiar e uns touros novos para a engorda. Algumas vezes, raras, levam ainda em dote uma ceva morta e meia pipa de vinho. O primeiro dia de casados é para os noivos pobres o primeiro dia de trabalho árduo. Vão amanhar os dois umas terras pequenas, que tomam de renda barata; assoldam um creadito novo, de pequeno ganho, que os ajude no mourejar dos campos e a ama nos arranjos da casa. Desde o nascer do dia até noite fechada trabalham ambos no campo ou na eira. À noite, até altas horas, a mulher fia, junto da lareira apagada, a teia com que há de fazer as primeiras camisas e os primeiros lençóes. O homem descança da labuta do dia, ajudando a mulher a dobar o fiado.

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Feitas as podas, as mergulhias, os enxertos e as sementeiras, e antes das colheitas, quando a lavoura abranda, o homem vae ás feiras, vende os bois, compra outros mais baratos e ganha alguns tostões em carretos de pedra. A mulher, no entanto, córa a teia, lança ninhadas de frangos e galinhas e engorda os cevados… para vender. Mas esses pobres teem uma riqueza: são independentes. Emquanto pagarem com o que a terra lhes dá a renda por que a tomaram, essa terra que eles lavram e cavam e semeiam pertence-lhes. É d’essa terra, adubada com o seu suor, que lhes vem, com o sustento, o orgulho de um domínio que se lhes afigura sem partilha. São d’elles as aguas, os campos, as arvores, os montes, a eira e a casa. Não existe para elles, como para o operário, um patrão dominador e imperativo. Só elles mandam na sua fabrica, de que são, simultaneamente, rendeiros e operários.

O alimento d’este casal de noivos pobres reduz-se a pouco mais do que a caldo e pão. O homem que trabalha da aurora até á noite, a mulher que o acompanha na sua lida incessante, comem menos do que as creanças da cidade. E attentae na mulher. Se a gravidez a não deformou já, é uma mocetona corada e jovial, de larga bacia fecunda, de aflantes seios, de roliços braços de trabalhadora e de amorosa. O homem é musculoso e rijo. Ambos cantam enquanto sacham. Nenhuma tristeza perturba esse casal pacifico e laborioso. Gosam amplamente as duas saúdes humanas: a moral e a physica, de cuja união resultam as felicidades perfeitas. O trabalho é o seu regímen moral. Vae ver-se em que consiste o seu regímen alimentar, base da saúde do corpo.

O caldo d’estes trabalhadores infatigáveis reduz-se a algumas couves gallegas, apanhadas na horta, a alguns feijões – poucos, porque são caros, – e um magro fio de azeite como adubo. O pão é de milho e centeio, cozido em grandes fornadas de dois ou três alqueires… para durar, tornar-se rijo e render mais! O cozer pão a miúdo é prejudicial á economia. Come-se mais emquanto é fresco e quantas mais vezes se accende o forno mais lenha se consome! Raras, muito raras vezes, á merenda, comem os lavradores, como presigo, a sardinha. De longe a longe, quando o sardinheiro as vende a mais de 5 ao vintém, a mulher aventura-se a gastar dez réis n’esse luxo supérfluo!

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Quando se diga que um quartilho de azeite, que nas aldeias do Minho póde cstar seis ou sete vinténs, dura a um casal pobre de 15 dias a um mez, ter-se-há completado o quadro impressionador da espantosa economia minhôta.

Annos há, porém, em que o pão escasseia, a arca se esgota, e o preço do alqueire de milho sobe, como há quatro annos, acima de oito tostões. Então, o lavrador passa a comer pão de centeio e semeia batatas para substituir o thesouro alimentício da boroa de milho. Á salgadeira – os que a teem – vão apenas pelas festas do anno: o Entrudo, a Paschoa e o Natal, ou em dias de trabalho extraordinário, quando não podem de todo, sozinhos, grangear as terras, e rogam o auxílio dos visinhos, que vêem ajudar, sem jornal, só pela mantença.

Uma família de lavradores minhôtos que, não satisfeita com as dadivas generosas da terra: pão, batatas, hortaliça, feijão, fructa e lenha, gasta em alimentação, vestuário e demais necessidades da vida para cima de dez tostões por mez, ou é rica ou está erdida!

Parecendo á primeira vista impossível que tão insignificante quantia possa chegar ao custeio de uma casa, verifica-se, em face de um ligeiro orçamento, que ella é sufficiente e não é mesmo attingida as mais das vezes.

O exíguo orçamento de um casal de lavradores no Baixo-Minho póde resumir-se, para as primeiras necessidades, a quatro verbas únicas e modestíssimas:

Azeite…………...240 réis

Sardinhas…..……100 réis

Sal…………….….20 réis

Sabão…………….60 réis

Ou um total de    420 réis

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Ficam de fora as despezas de vestuário. Uma andaina de roupa para homem, que póde custar aproximadamente 8$000 réis, dura entre 5 e 10 annos. Quasi sempre descalço, o lavrador não chega a romper por anno um par de tamancos. O chapéu, que custa de seis a dez tostões, serve apenas nos dias de feira ou de romaria. No serviço, o lavrador usa a carapuça de lã no Inverno e o chapéu de palha, de vintém, no verão.

Aparte o ouro que compram com as economias do casal e que, como o gado, é considerado fortuna commum, as mulheres gastam ainda menos do que os homens! Duas saias de chita clara, dois aventaes com barras de veludilho, um collete de riscado cor de rosa com guarnições de fitilho preto, um lenço farto para o seio e mais dois para a cabeça, são objectos que as mais pobres adquirem apenas duas vezes na vida: quando noivas e quando, mais tarde, casam o primeiro filho! As mais abastadas compram de dez em dez annos uma saia de baeta crepe, de anno a anno um lenço de seda, de dois em dois annos umas chinelas de verniz. São as pródigas.

Roupa branca, lenções, toalhas e ainda as calças de uso dos homens sahem do linho, da estopa ou dos tomentos – da teia fiada em casa. Em noites de luar, as mulheres fazem o seu serão á porta, economisando a luz.

A própria doença parece respeitar esse culto sagrado da economia dos lavradores do Minho. Mata-os a velhice. Quando entram na agonia, a família manda chamar o padre para os confessar e ungir. Depois do padre vem então o medico, que raro receita e as mais das vezes chega a tempo de verificar o óbito.

E assim morrem economicamente, como economicamente nasceram e viveram…”

VENDA DE PEIXE EM VILA PRAIA DE ÂNCORA

Sob o título “Venda de peixe na praia de Âncora”, a revista “Ilustração Portugueza”, na sua edição de 14 de Outubro de 1922, dedicou uma página a Vila Praia de Âncora com breves referências ao seu património histórico e ao ambiente pitoresco que anima o portinho junto ao Forte da Lagarteira.

“Âncora é uma das mais lindas povoações do Minho, e pode considerar-se privilegiada da Natureza, pois que ao encanto da sua praia alia a beleza dos seus campos, onde não se nota a aridez própria das proximidades do mar. Quando este é rude, no Inverno, a gente laboriosa da pitoresca estancia volta-se para a terra, que não lhe nega o sustento.

Muito frequentada no verão por banhistas, principalmente do norte, é para estes um espectáculo interessante o da venda do peixe na praia, quando, á tarde, os barcos voltam da sua faina, depois de levantadas as redes.

Âncora é também um logar de atração para os amadores de arqueologia, visto que no sítio existem dolmens e outras antiguidades prehistoricas já estudadas pelo notável arqueólogo Martins Sarmento, bem conhecido pela exploração completa que fez da citania de Briteiros, perto de Guimarães.”

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