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BLOGUE DO MINHO

Espaço de informação e divulgação da História, Arte, Cultura, Usos e Costumes das gentes do Minho e Galiza

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CONGRESSO DE ETNOGRAFIA E FOLCLORE DE BRAGA, EM 1956, FOI ANALISADO PELOS DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA NACIONAL

É frequente, nos dias que correm, o termo folclore ser empregue depreciativamente por parte de quem mais responsabilidade possui na defesa do nosso património cultural. Mas nem sempre foi assim…

Em 1956, o conceituado antropólogo António Augusto Esteves Mendes Correia, docente da Faculdade de Ciências do Porto e deputado à Assembleia Nacional, na sessão de 29 de Junho daquele ano, sob a presidência de Albino dos Reis Júnior, pronunciou um brilhante discurso acerca do Congresso de Etnografia e Folclore realizado em Braga, o qual foi feito na sequência da intervenção feita na sessão do dia anterior, pelo deputado Alberto Cruz, a respeito do mesmo tema.

As intervenções então proferidas ajudam-nos a compreender o enquadramento do folclore na política cultural do Estado Novo. Pelo seu interesse, nomeadamente do posto de vista histórico, transcrevemos seguidamente as duas intervenções então realizadas, começando pela do deputado Alberto Cruz, na Sessão nº. 159, da VI Legislatura da Assembleia Nacional realizada no dia 28 de Junho.

"Sr. Presidente: acaba de realizar-se na minha terra, na capital desse alegre Minho, e em época de festas e romarias, mais um congresso, que chamou a Braga um seleccionado e numeroso grupo de cultores do folclore e da etnografia e onde também se exibiram ranchos folclóricos da França, Espanha e Portugal continental e insular.

Esse congresso, presidido pelo nosso colega nesta Câmara Sr. Prof. Mendes Correia, teve a honrá-lo a presença de dois membros do Governo, quo presidiram às sessões de abertura e encerramento, o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social e o Subsecretário de Estado da Educação Nacional, que tiveram ensejo de proferir notáveis e muito apreciadas orações.

Foram apresentadas e discutidas teses do mais alto valor e foram emitidos votos, que serão apreciados por quem de direito e pura os quais me permito chamar a esclarecida atenção das entidades competentes.

Sr. Presidente: ouvi tecer hinos de louvor às belezas incomparáveis das terras minhotas, mas muito especialmente à estância paradisíaca do Bom Jesus do Monte, enquadrada nos pequenos campos de cultura que a rodeiam, semelhantes a canteiros de floridos jardins, amorosamente tratados e onde, a cantar e a rezar, aquele bom povo semeia, planta e colhe o pão e o vinho necessários à sua sustentação.

Ouvi ainda louvores também à hospitalidade dos seus habitantes e fiquei com a certeza de que todos os congressistas farão nas suas terras a propaganda do que os seus olhos viram, e que deve traduzir-se em desenvolvimento crescente da quase única indústria que nos resta - o turismo. Mas, para isso, é indispensável que o Governo, pelo seu departamento de propaganda e turismo, auxilie aquela terra, pletórica de encantos naturais, mas pobre de recursos materiais, a apetrechar-se de tudo que é necessário para atrair e fixar aqueles que futuramente podem vir a ser factores da sua riqueza e que pelo Mundo andam à procura de repouso para o espírito e deslumbramento para os olhos!

A natureza prodigalizou-nos belezas sem par, mas temos de dar u quem nos visita o conforto que quase por completo nos falta. A estância do Bom Jesus do Monte necessita de hotéis condignos, e, a exemplo do que se tem dado, e muito bem, a outras terras, eu peço também, e com a maior urgência, o estudo, seguido da realização, de tudo o que possa contribuir para o desenvolvimento do turismo, indústria de que Braga pode, por mercê de Deus, que lhe deu excepcionais condições, tirar os maiores proveitos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Atrevo-me a continuar a pedir ao Governo, pelos departamentos competentes, auxilio para as suas indústrias, e, se puder ser, no próximo plano de fomento industrial, a criação doutras novas também, para dar ocupação a tantos braços que dia a dia vão surgindo para a labuta da vida e ao mesmo tempo contribuir para o engrandecimento desta Pátria, a que tanto queremos e pela qual tudo sacrificaremos".

Dr. António Mendes Correia 

Na Sessão nº. 160, da VI Legislatura da Assembleia Nacional realizada no dia 29 de Junho, o deputado António Mendes Correia toma a palavra e fala sobre o Congresso de Etnografia e Folclore de Braga, nos seguintes termos:

“Sr. Presidente: na sessão de ontem o nosso colega Dr. Alberto Cruz referiu-se, a propósito das impressões que teriam deixado a terra e a gente bracarenses e o Minho em geral nos membros do recente Congresso de Etnografia e Folclore, realizado em Braga, as tradições regionais de hospitalidade e à necessidade de se apoiar o desenvolvimento do turismo naquela província.

Não precisa o nosso colega da minha solidariedade nas aspirações que formulou, e que naturalmente perfilho sem restrições, mas pedi a palavra para, ainda com um mandato que me permite traduzir o sentir de todos os congressistas, sublinhar a hospitalidade e a cortesia que todos encontrámos em Braga e na boa gente do Minho, aproveitando este ensejo para, mais uma vez, salientar o significado nacional e político da assembleia realizada e a importância - nos mesmos aspectos, além do científico - de muitas matérias nela versadas e de muitos dos votos finais ali adoptados.

Não trago, evidentemente, a esta Câmara um relato pormenorizado do que foi o Congresso e do que ele representa na vida cultural e social do Pais.

Mas acentuarei que a sua magnitude decorre do tema dos seus relatórios e das suas duzentas comunicações. Esse tema é o povo português, a sua psicologia, as suas tradições, a sua arte, os seus anseios, as suas tendências e as suas capacidades.

Tema que é hoje versado cientificamente, com métodos e técnicas adequados, de maneira sistemática, imparcial e objectiva, e não ao modo antigo, por coleccionadores

a esmo, por simples amadores sem preparação, por devaneadores e fantasistas, com maior ou menor brilho literário, maior ou menor sentimento e entusiasmo, mas numa ausência total, ou quase, de espírito cientifico. Há ainda quem suponha que etnografia e folclore são puras colectâneas amenas de temas pitorescos da vida popular.

Ora, o último Congresso definiu posições nítidas e úteis quanto à natureza dos objectos dessas disciplinas e quanto à maneira de os tratar e utilizar. Pôs em evidência o interesse de certas investigações. Salientou as ligações entre o âmbito das ditas disciplinas e a história, a filosofia, a religião, a arte, a sociologia, a política, a economia, etc. Pôs sobretudo em relevo o valor nacional daqueles estudos.

E a todos foi grato verificar que, a par das contribuições mais singelas sobre um ou outro facto local ou regional, surgiram naquela assembleia teses de conjunto ou de carácter genérico e doutrinário, como as de metafísica, do folclore e da ética dos provérbios populares, tratados pelos reverendos Drs. Bacelar e Oliveira e Craveiro da Silva, da Faculdade Pontifícia de Filosofia, de Braga.

Não faltaram outros elementos universitários e académicos, participantes do Brasil, Espanha e México, os temas mais variados. Mas desejo aqui congratular-me, sobretudo, com o apoio e interesse manifestados ao Congresso, não só por corpos administrativos, como as Câmaras Municipais de Braga -a autora da iniciativa e sua grande realizadora, Viana do Castelo, Santo Tirso e Porto, e algumas juntas de província, mas também por organizações como o Secretariado Nacional da Informação e Cultura Popular, a Mocidade Portuguesa, a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, etc.

O Governo da Nação, o Governo de Salazar, dispensou ao Congresso o apoio mais expressivo, sendo notáveis os discursos proferidos no mesmo pelos ilustres Ministro das Corporações e Subsecretário de Estado da Educação Nacional.

Verificou-se, assim, este facto altamente consolador: é que de sectores os mais variados da vida nacional, de todos os planos hierárquicos, dos domínios directamente ligados ao assunto como de outros, do Governo ao próprio povo - como o de Braga e como o que participou nos festivais folclóricos então realizados, houve geral concordância no reconhecimento do vasto e profundo significado da bela iniciativa da Câmara de Braga, e especialmente do seu extraordinário presidente.

Como ó oportuna e confortante tal verificação, precisamente quando nesta Assembleia se está discutindo o Plano de Formação Social e Corporativa, marcando-se o desejo de, abrindo os braços a todos os progressos reais e fecundos, conservar as melhores e mais sãs tradições nacionais!

O Congresso emitiu numerosos votos, como em matéria de ensino, investigação, propaganda, museus, protecção, etc., de assuntos etnográficos e folclóricos. Sublinharei apenas, neste instante, os que dizem respeito às actividades ultramarinas nesse domínio e à recusa ao fado do título, tão correntemente usado, de canção nacional por excelência.

O estudo da etnografia e folclore das populações ultramarinas mereceu ao Congresso uma atenção especial, salientando-se a necessidade dessa matéria nos centros de estudos sociais e políticos e nos novos institutos de investigação científica de Luanda e Lourenço Marques, entre as ciências humanas ou sociais.

Quanto ao fado, proclamou-se o inconveniente nacional e folclórico da sua difusão excessiva, quer pela sua proveniência, quer pelo pessimismo e desanimo que traduz, em contradição com as fontes e as manifestações mais autênticas e construtivas da inspiração popular. O fado lembra as guitarras plangentes de Alcácer, não um brado de vitória ou de fé.

Não pretendo negar a beleza de alguns fados, das toadas mais melancólicas, de versos profundamente tristes. Mas não se chame canção nacional por excelência a uma canção folclòricamente tão discutível e tão distinta, em tudo, das belas, joviais e empolgantes canções de que é felizmente tão rico. O autêntico folclore nacional.

Vi um dia, num festival folclórico, no Porto, centenas de visitantes estrangeiros, como um só homem, perante uma exibição de ranchos de Viana, erguerem-se a aplaudir e a gritar: «Viva Portugal»! Em vez do fado depressivo, como não hão-de ser estimulantes e gratas para nós, Portugueses, essas manifestações da nossa música popular que têm assim o dom de arrebatar os próprios estrangeiros?

Sem recusar a possibilidade de introdução e adopção de factos novos, ou seja do processo chamado de aculturação pelos etnógrafos e sociólogos, o Congresso pronunciou-se pela definição do facto etnográfico e folclórico como caracterizado por serem tradicionais e de origem espontânea e anónima na alma popular.

A aculturação só pode dar-se quando esta alma lhe é favorável, quando nesta encontra eco, aceitação, concordância psicológica. Nos nossos territórios ultramarinos é do maior interesse o estudo da aculturação das populações nativas sob a influência da cultura que tenho chamado luso-cristã.

Por estas singelas considerações creio ter dado uma ideia da importância nacional e científica do Congresso de Braga. Mas o que sobretudo desejei sublinhar, usando da palavra, foi a gratíssima impressão que congressistas nacionais e estrangeiros trouxeram do convívio, da hospitalidade, da afabilidade, da cortesia, do trato, da doçura, do irradiante poder de simpatia, da boa gente de Braga e do Minho, daquele admirável povo em que se conservam e florescem tantas virtudes tradicionais de suavidade de alma, de bondade, de apego ao lar, de dedicação pelo trabalho, de amor pelo seu berço e de fidelidade aos altos valores espirituais que garantem a perenidade da Pátria e da civilização.

Posso depor com firmeza que na multidão que em avalancha jovial festejava o S. João, na noite de 23, em Braga, não vi senão atitudes simpáticas e dignas. Quem dava involuntariamente um encontrão pedia desculpa.

Ausência de palavrões, de qualquer grosseria, de brutalidade. Bom povo, admirável povo, que a dissolução tendenciosa de outros meios ainda não inquinou nem perverteu.

Tenho a certeza de que a acção de organizações como as que citei manterá indemnes a sua alma e as suas tradições sãs contra a vaga cosmopolita ou exótica de materialismo pretensamente científico e humano que ameaça subverter o que há de melhor e mais luminoso no património moral da nossa civilização. Bom povo de Portugal, porque creio em ti e nos valores espirituais que te animam, creio na eternidade da Pátria.

Tenho dito."

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A imagem regista o almoço realizado em Viana do Castelo no âmbito do Congresso de Etnografia e Folclore de Braga. Identificam-se o Coronel Mário cardozo e Alberto Vieira Braga, respectivamente o segundo e o quarto a contar da esquerda. (Foto: Casa de Sarmento – Centro de Estudos do Património).

Carlos Gomes in http://www.folclore-online.com/